quinta-feira, junho 30, 2005

Aconteceu com o Zé

O Zé é uma pessoa tipicamente comum, e este tipicamente comum é causa de tristeza e devia ser motivo de orgulho.
Já tem o Zé quase trinta anos; e mora bem longe, bem longe mesmo; e seu cafofo mereceria ser chamado de casa se estivesse situado numa rua asfaltada, se fosse, pelo menos, cinco ou seis vezes maior e dividido em cômodos adequados, se possuísse instalações sanitárias próprias, se recebesse satisfatoriamente água, luz e gás, e se dispusesse de outras coisas mais, por exemplo, camas, armários, mesa, geladeira e fogão que ao nome fizessem jus; e mora ele com a mãe, com três irmãos bem mais novos e com a avó; e é o Zé que sustenta essa família.
Para variar, estava o Zé desempregado e se virava como dava para se virar, um biscate aqui, outro ali, um emprego temporário aqui e ali, uma atividade autônoma acolá... O dia começando às 5 da manhã e acabando às 10 da noite... e de segunda a segunda...

Um domingo, como não arranjara nada para defender um dinheirinho, deu uma saída pelas redondezas para o de sempre: papo, pinga, talvez uma cervejinha, quiçá um churrasco em frente à birosca do Bambu.

Ao passar pela banca de jornal, viu que havia um ajuntamento maior do que o que normalmente se formava para ler o chamado jornal comunitário - o que fica pendurado na lateral da banca -, e foi conferir.

Era um anúncio de emprego, de um maravilhoso emprego, um emprego que seria maravilhoso mesmo se estivéssemos nadando em ofertas de excelentes empregos... Salário inicial ótimo - várias dezenas de salários mínimos -, casa, carro, cartão de crédito e um futuro sem limites.

Por aquelas bandas, todo mundo conhece todo mundo, e todo mundo sabia que o Zé, por ali, era o único que, com um baita esforço, tinha conseguido concluir a formação universitária na área mencionada no anúncio e, numa espécie de homenagem que só é prestada em bandas como aquela, e com a aquiescência do jornaleiro, deram-lhe a folha do jornal.

Sem dúvida, sentiu orgulho o Zé, mas, depois de tantas porradas que já levara da vida, não se animou muito!

Agradeceu, dobrou a folha, meteu-a no bolso da bermuda e foi ao domingo, arrastando os chinelos!

Lá pelas 4 da tarde, já bem mais pra lá do que pra cá, foi pra casa e desabou na cama, e só acordou na segunda, e já na hora de ir à luta, e foi...

Voltou na hora de costume, lá pelas 10 da noite e, quando chegou em casa, encontrou a mãe com a folha de jornal na mão. Ela havia dado a geral de sempre na bermuda dele e a havia encontrado, e o Zé já nem se lembrava mais do anúncio.

A mãe, que tinha mais orgulho do diploma universitário que ele conseguira do que ele próprio, havia lido a oferta de emprego com ajuda de uma vizinha que tinha “melhores óculos” e começou a incentivá-lo, e tanto o incentivou, que ele começou a pensar no assunto.

De fato, ele havia concluído o curso universitário que era requerido no anúncio, embora o tivesse feito numa faculdade não muito conhecida, ou melhor, desconhecida, e particular, porque, em razão de uma sutileza epidérmica, não conseguira se beneficiar da política de quotas, e o fizera no turno da noite, é verdade, mas, e daí?!, tinha o diploma com todos os registros e carimbos! Concluíra em 8 anos o que poderia ter sido feito em 4, é outra verdade!, mas, pudera!, trancara a matrícula várias vezes por um grande número de razões: falta de dinheiro para pagar a matrícula, falta de dinheiro para pagar a mensalidade, falta de dinheiro para pagar a condução, falta de dinheiro...

No que tange à boa experiência profissional exigida, bem, nesse campo, ele acreditava que ia se dar bem porque começara a trabalhar aos 12 anos e, nesses quase 18 anos de atividade contínua, já fora, por exemplo: engraxate, acrobata em sinal de trânsito, baleiro, bói, lavador de carro, flanelinha, motobói, vendedor ambulante, entregador de jornal, camelô, frentista de posto de gasolina, balconista, ajudante de cozinha, garçom, escriturário, supervisor de mercadinho, datilógrafo, digitador, empacotador, auxiliar de contabilidade, feirante, bancário, despachante em várias frentes, vigia, motorista de caminhão, almoxarife etc. etc. etc., e, ultimamente, vinha atuando como autônomo geral - ou seja, fazendo o que pintava -, e cria que não precisaria nem mencionar o tempo em que, no jogo do bicho, foi um bem-sucedido apontador - memória boa e bom nos cálculos -, porque, afinal de contas, era contravenção...

Quanto aos demais itens, por exemplo, capacidade para motivar, organizar e liderar, sua bagagem também era respeitável: conseguia manter-se motivado ainda apesar de tudo; organizava as festas das cercanias, e com razoável sucesso; e liderava o time de futebol da sua rua há 8 anos, e vinha conquistando títulos ou boas colocações...

Até aprendera a usar o computador, e bem, pois, como era muito sagaz, não ficou, no jogo do bicho, muito tempo como apontador, foi levado rapidamente para o escritório onde era feita a apuração e aprendeu a lidar com aquele ícone do mundo moderno, e se tornou o bambambã da planilha informatizada.

Vencida esta preliminar avaliação, e tendo concluído que também falaria da boa memória, da aptidão para fazer cálculos e da habilidade para montar planilhas com os mais modernos processadores mas sem mencionar o jogo do bicho, sentiu-se motivado e resolveu manuscrever seu currículo.

Após aprontá-lo, deixou-o com a mãe para que ela o entregasse à Nilma - a única vizinha que trabalhava em empresa que tinha computador - que, com certeza, o datilografiaria a capricho.

Uns três dias depois, trouxe a Nilma o currículo impecavelmente datilografado numa branquíssima folha de papel e com um tipo de letra que você só encontra em processador de texto de boa qualidade, e até um pouco fresca a letra, na avaliação do Zé, mas cavalo dado... e ela trouxera até o envelope e se oferecera para levá-lo à agência dos Correios, depois que ele assinasse devidamente a carta que encaminharia o currículo e anexasse cópia dos documentos solicitados, e assim foi feito.

O Zé foi em frente, quer dizer, foi pra lá, foi pra cá, correndo atrás do dinheiro do aluguel, do das compras, do da condução etc. etc. etc., e com tão pouco tempo para pensar, acabou esquecendo o tal maravilhoso emprego que ocupara seus sonhos por algumas noites...

Oito ou nove meses depois, chegava em casa o Zé, e na hora habitual, quando viu aquela pequena multidão na sua porta. O susto foi enorme porque, por ali, só se formava um enxame assim em pagode ou quando algo ruim havia acontecido, e não era dia de pagode... E ele deu uma corrida... Mas, quando chegou mais perto, começou a perceber que o clima era de festa e, conquanto tenha achado estranho já que não era dia disso, respirou aliviado e viu sua mãe no meio da galera e rindo com todos os dentes que ainda tinha...

O que teria acontecido?

Quando a turma viu o Zé, a ovação foi comparável a que, nos bons tempos, recebia time grande quando entrava em campo no Marcanã!

O Zé não entendeu nada, e levou um bom tempo sendo abraçado pelos homens e beijado pelas mulheres... e chegou a ser carregado nos ombros de alguns amigos...

Quando se livrou daquele aplauso todo, viu a mãe acenando para ele com um chiquíssimo envelope na mão... e perguntou o que era...

A essa altura o coro já era ensurdecedor:
- Abre! Abre! Abre!

E o Zé o abriu.

Tratava-se de um convite.

A empresa a qual remetera seu currículo, aquela tal que ofececera o maravilhoso emprego, o chamava para uma entrevista, e a última etapa do processo de seleção, pois ele ficara no pequeníssimo grupo de escolhidos após uma extensa e criteriosa verificação de cada currículo enviado, e, caso ainda estivesse interessado, deveria comparecer na semana seguinte, e havia dia e hora já marcados...

Como eu disse, o clima era de pagode, e, assim que a leitura da carta acabou, chegou a primeira cerveja e já veio no ponto, a churrasqueira pediu passagem e trouxe junto o carvão que vinha doido pra pegar fogo, e pegou!, a carne não podia ficar longe daquele calor, e não ficou, um pedaço daqui, outro dali, e a união fez a força, o cavaco foi o primeiro falar, e depois falaram surdo, bumbo, cuíca, pandeiro, e, daí pra frente, a farra engrenou...

O dia seguinte, foi de ressaca... o Zé não acordava tão tarde, num dia semana, há muito tempo...

E nem bem havia acordado, já o incomodou o primeiro problema: como é que ele ia a tal entrevista se não tinha sequer um traje minimamente adequado?!

Mas a solidariedade resolveu a questão, que por aquelas bandas a solidariedade é uma das pouquíssimas coisa boas que existem: paletó de um, camisa de outro, gravata de um terceiro e assim por diante, e como manequim de pobre é mais ou menos o mesmo – outra coisa razoavelmente boa que há por aquelas bandas -, a indumentária já existia; e até uma vaquinha antecipada para o dinheiro da passagem se fez...

A rua toda passou praticamente uma semana sem dormir, e o churrasco, a cerveja e o pagode irrompiam a qualquer momento, e merecidamente, afinal, nunca dantes um filho da localidade recebera tão importante chamado!

No dia marcado, às 5 horas da manhã, após o desjejum, aquele gole de café magro e solteiro, e motivado pela galera que passara a noite na sua porta para lhe dar um bom incentivo, lá foi o Zé, pois a entrevista seria às 9 horas, e ele ia precisar pegar 3 ou 4 conduções.

Praticamente às 9 horas, chegou o Zé ao prédio da empresa, e pela primeira vez na vida teve um contato físico e imediato com o luxo, concluiu até que, se o luxo tivesse um símbolo, seria aquele prédio. Pensou em desistir, mas, como não era de botar galho dentro, foi em frente, e entrou.

Quando deu de cara com o imponente porteiro, não conseguiu deixar de dizer pra si mesmo: “Esse cara me dá de dez a zero!”; mas, ao ver-lhe a carta, desmanchou-se em gentileza o garboso representante da portaria e o levou ao elevador, indicando-lhe o andar.

Nunca havia entrado em um avião o Zé, mas era um cara informado, e sabia que havia até primeira classe, e concluiu que a melhor primeira classe do melhor avião devia ser como aquele elevador...

Quando chegou ao seu destino, constatou o Zé que tudo que vira até então não era requintado, pois fausto era o que havia naquele andar... Sem falar na moça monumental que estava na recepção, e até riu interiormente da galera lá da sua rua que achava bonita as mulheres que apareciam na televisão, eles não sabiam o que era mulher bonita, e gostosa, e cheirosa...

O monumento, sorrindo femininamente, disse-lhe:
- Por favor, seu José, venha comigo!

E o Zé, depois de gastar alguns segundos para descobrir que ele era o tal 'seu José', acompanhou-a e foi parar numa sala de espera onde estavam os outros poucos candidatos que tinham sido selecionados.

Mais uma vez, reformulado precisou ser o conceito de ostentação do Zé, pois aquela sala é que era verdadeiramente suntuosa e, além disso, abastada, visto que, sobre uma soberba mesa, havia doces, biscoitos, salgadinhos feitos com pequenas fatias de pão – que ele sabia que tinham outro nome por ali mas não lembrava qual era! -, e havia ainda refrigerantes, sucos, água, chocolate e café.
Movido pela necessidade, nem reparou no resto o Zé e à mesa foi logo, e fartou-se, e pela primeira vez na vida achou que estava tomando um verdadeiro café-da-manhã...

Findo o banquete, reparou que havia uma poltrona vazia, a sua, e compreendeu que nunca vira antes uma poltrona... e sentou-se... e olhou ao redor...
Ninguém havia olhado pra ele e ninguém o olhava agora: um lia um livro que parecia muito importante; outro falava num telefone celular e, em outro, via alguma mensagem; um terceiro tinha nas mãos um jornal escrito em inglês e dele não tirava os olhos; e havia mais outras duas pessoas igualmente ocupadas...

Se bem que não fosse um especialista em vestimenta, não era tolo o Zé, e, depois da rápida olhada em volta que deu, chegou a uma ilação: a gravata mais barata, tirando a dele, devia ter custado uns 3 ou 4 salários mínimos...

Surpreendentemente, tal conclusão o não abateu porque, no seu íntimo, sabia o Zé que já estava no lucro: a sala, o ar condicionado, a poltrona, o garçom que entrava e saía para não deixar a mesa desafalcada etc. etc. etc.

O Zé fora o último a chegar, também, ninguém mais ali precisara pegar três conduções, e já sabia que as entrevistas iam respeitar a ordem de chegada dos candidatos... Mas... tudo bem...

Quando uma outra moça da empresa entrou na sala para levar o primeiro candidato à entrevista, não pôde fugir o Zé de uma nova revisão nos seus conceitos: monumental era essa mulher e não a outra, a da recepção...

E os candidatos foram entrando imponentes, confiantes, e, após um período de tempo significativo, saindo triunfantes!

E foram as horas transcorrendo, e o Zé estava tão bem alimentado e se sentia tão recompensado só por estar ali que até deu uma cochilada, e foi acordado pela suave mão do verdadeiro momunento que lhe disse:
- Seu José, é a sua vez. Acompanhe-me, por favor.

Vencido o susto do despertar, ergueu-se o Zé, aprumou-se, endireitou a gravata e foi, e até se lembrou de uma frase que lhe ensinara um velho lá da sua rua e que ele nunca mais esquecera: “alea jacta est!”, e repetiu-a baixinho para si mesmo e em português: “a sorte está lançada!”.

Quando entrou na nova sala, nova reformulação conceitual teve de fazer o Zé, pois suntuosidade, com efeito, existia ali e o cara que estava sentado atrás daquela Mesa, com maiúscula mesmo!, não era o dono de tudo aquilo, devia ser o “chefe do dono”!

A essa altura, no piloto automático já estava o Zé e, quando lhe ofereceu o “chefe do dono” uma das poltronas que estavam diante da Mesa, além de descobrir que poltrona era aquilo e não aquela outra onde estivera sentado, ele acomodou-se mecanicamente.

E o “chefe do dono” fez-lhe logo uma pergunta:
- Seu José, se o senhor precissasse roubar algo de alguém amanhã e necessitasse de uma pessoa para auxiliá-lo e só duas pessoas disponíveis estivessem: o João Gatuno, ladrão competente e afamado, e o Antônio Filantropia, conhecidíssimo por sua alma boa, por sua honestidade; quem o senhor chamaria?

Um silêncio maior do que todas as necessidades que o Zé tão bem conhecia desabou sobre ele, e, no segundo que se seguiu, milhões de coisas passaram por sua cabeça, mais uma sobressaía, como se fosse um letreiro de neon que não parava de piscar: “QUE SACANAGEM!... QUE SACANAGEM!...”, e nos intervalos do neon: "Esse merda deve ter feito perguntas fanásticas aos outros candidatos e, na minha vez, vem com essa...", e outra vez: “QUE SACANAGEM!... QUE SACANAGEM!... QUE SACANAGEM!...”

Mas não era o Zé de vacilar, de perder a pose, nem de botar o galho dentro, como já disse. Ato contínuo, pôs-se de pé diante do “chefe do dono” e, já olhando para ele de igual para igual, falou:
- Agradeço-lhe, doutor, o convite que a empresa me fez e a atenção que o senhor me concedeu, e não vou enganá-lo de maneira nenhuma: “Chamava o João Gatuno, doutor”. Boa tarde.

E deu às costas ao “chefe do dono” e andou em direção à porta do salão.

Estava quase chegando, quando o chamou o “chefe do dono”:
- Seu José...

O Zé parou e pensou por um segundo novamente e chegou à seguinte conclusão: “esse puto vai me dar uma lição de moral ou um esporro e eu vou mandá-lo tomar no cu”, e virou-se para o “chefe do dono” e olhou-o com um olhar que já era de desafio...

E o “chefe do dono” prosseguiu:
- Seu José, parabéns, caso ainda queira o emprego, o senhor está contratado!

O Zé quase desabou e só não se mijou todo porque conseguiu enfiar rapidamente a mão esquerda no bolso da calça e conter a enxurrada... mas sentia que ia acabar ficando de cócoras na fente do “chefe do dono”... entretanto, tirou forças não sabe nem de onde, e perguntou, aliás, balbuciou um princípio de pergunta:
- E...u...

E o “chefe do dono” tornou a dizer:
- Seu José, caso ainda queira o emprego, o senhor está contratado! parabéns!
Então, após pequena pausa, foi adiante:
- Eu fiz esta mesma pergunta a todos os outros candidatos, e ouvi pungentes, eruditos e até dramáticos discursos sobre princípios éticos e morais, e senti-me mesmo um pouco ofendido ao pensar que aqueles respondedores - ou melhor, oradores - estavam achando que eu não lia jornal e, por conseguinte, não sabia das trapaças que acontecem por esse mundo, apesar das belas falas pretéritas de muitos trapaceiros, o que nos dá uma boa idéia sobre o ser humano, e, pior, bem pior, seu José, deviam estar cogitando que nem a transmissão de jogo de futebol pela televisão eu assistia, ou seja, que eu nem sabia que há jogador que, diante de milhões de telespectadores, entra no adversário e quase o racha ao meio... e, quando lhe mostra o juiz o cartão, faz cara de vítima e jura que não fez nada... Se um ser humano nega um ato testemunhado por milhões de pessoas, e, ainda por cima, gravado, como é que puderam imaginar esses senhores que eu me ia fiar em meia dúzias de palavras particularmente proferidas com o intento de enaltecer as condições éticas e morais de quem as proferia... Caráter e honestidade, seu José, avaliam-se diariamente e pela vida toda, e, mesmo assim, muitas e muitas vezes, só um dia depois de todo esse tempo descobre-se a verdade...
E, depois de mais uma estratégica parada, finalizou:
- E mais, seu José, com essa pergunta, eu só queria avaliar a sinceridade e a objetividade de cada candidato, e o senhor foi objetivo, e foi o único, e me pareceu absolutamente sincero! Parabéns, seu José!

segunda-feira, junho 27, 2005

Quede o Rorge?!

Não sei o que anda acontecendo comigo... ando me atrapalhando com os trecos mais simples... me confundindo com os troços mais banais... me atolando em coisas triviais...

Outro dia, fiquei um tempo enorme procurando um nome numa lista com onze e não consegui encontrá-lo, não é terrível?

Vou me explicar melhor, quer dizer, pretendo...

Assistia a um jogo de futebol transmitido pela televisão – e olha que já me acostumei com muitas coisas!... ala, matador, quadrado mágico etc. etc. etc. - e na hora de recitar a escalação de uns dos times o locutor falou:
- Fulano, Sicrano, Beltrano, Rorge...
E não houve meio de eu conseguir achar no texto simultaneamente apresentado o Rorge...

Senti o primeiro tremor, mas consegui acionar o controle remoto e escolher outro canal... mas foi a mesma coisa... pois o locutor também falava no Rorge e eu procurava o nome estampado em alguma camisa, e sem sucesso...

Senti um desassossego pasmoso, um incômodo crescente... esfreguei os olhos várias vezes... questionei a quantidade de cerveja que já havia bebido...

Fui aos jornais, parte de esportes, e vasculhei uns quatro ou cinco... e nada!

A essa altura, suava frio e sentia outras reações muito desagradáveis, e eram tantas que pensava em pedir socorro...

Você sabe que, na minha (nossa!) idade, uma situação caótica dessas pode levar a perda total e definitiva dos sentidos, e na minha cabeça não cessava a pergunta:
- Quede o Rorge? Quede o Rorge?

Quase não conseguia mais concatenar minhas idéias e uma grande aflição estava prestes a me impedir de falar, e faltavam-me forças para me levantar do sofá e ir à cozinha tomar um gole d’água..., ou da branquinha, o mais aconselhável face ao deplorável estado em que me encontrava!, e, pelo menos, ia poder culpá-la dali pra frente!

Separava-me do mundo um abismo invencível e uma hora lentíssima se estava consumindo diante do meu olhar imóvel, vidrado, baço, que me exteriorizava o imo apavoramento.

Dentro da minha cabeça, um turbilhão desconexo e desvairado impedia-me de ter sequer um pensamento com começo, meio e fim, e as letras de Rorge começaram a se deslocar loucamente... o 'R' saía rumo ao Nordeste e se ia derreando com a seca... o 'O' vagava pela baía poluída e se intoxicava irremediavelmente, o outro 'R' seguia as pegadas do primeiro, o 'G' galhofava de mim despudoramente e o 'E' ecoava assustadora e crescentemente num vale assombroso... E E E E E!... E E E E E!...
Um suor frio e caudaloso percorria-me o corpo e afogava-me a razão, ia tragando insensivelmente os postremos fiapos de calma que ainda me prendiam à realidade...

Por sorte, meu neto surgiu e me viu naquela lastimável situação, e, por pouco, por muito pouco, não foi devorado pelo pânico!

Agarrou-me, levantou-me, sacudiu-me... e, felizmente, consegui balbuciar:
- R... o... r... g... e...

Aí, aliviado, ele me largou no sofá - a queda e o baque quase me transformaram em bocados soltos e vadios tal qual as letras do Rorge em minha mente -, e exclamou:
- Ah!... é isso... que bom!...

E prosseguiu didaticamente:
- Vô... tá tudo bem!... é escrito com jota - Jorge, mas a pronúncia é rota - Rorge; pra ficar mais fácil, pense em João - Roão, Juan - Ruan, Júlio - Rúlio, José - Rosé, janeiro - raneiro, junho - runho, julho - rulho!, e pronto!... tá resolvido!... Entendeu, vô?!

Ufa!... que alívio!
E enfiei os dois pés, as duas mãos e a cara na branquinha...

sexta-feira, junho 24, 2005

Soube que podia ter saldo no Fundo 157

Graças a uma dica internética de um amigo, soube que podia ter saldo no Fundo 157 - coisa que só os bem provectos, os provectíssimos sabem o que é - e fiquei imaginando a grana, após duas ou três décadas de investimento intocado!

Depois de algum tempo de pesquisa e consultas, descobri um telefone... ainda bem que era um 0800!, e liguei.

Após fazer canina e sucessivamente todas as opções - teclando números - que aquela clássica gravação determinou que eu fizesse e de aguardar algum tempo a ouvir imbecilmente aquelas tradicionais musiquinhas, fui atendido por uma gentil atendente com a frase costumeira e expliquei-lhe o que queria.

Ela se valeu de uma gerundialíssima fala e, em seguida, gerundiando ainda, fez-me algumas perguntas bem simples: nome completo; peso; altura; tipo sanguíneo; vacinas – questionou a validade de cada uma; manequim e tamanho do pé; requisitou algumas datas, e por extenso - ou seja, não valia 2 do 3, tinha de ser 2 de março-, a saber: nascimento, batismo, crisma, primeira comunhão, casamento; solicitou-me a filiação detalhada (pedi-lhe desculpas por não ter o mais significante detalhe da filiação, já que, por ter sido concebido depois!, não presenciara o momento mais importante!); inquiriu nomes de irmãos, tios e avós; pediu-me o endereço com CEP; requisitou os números dos meus telefones, e todos, e com código de área e nomes das operadoras; pediu números e datas de expedição de documentos: identidade – com órgão expedidor -, CPF, título de eleitor - com zona e seção -, certificado de reservista – com Região Militar -, passaporte, carteira nacional de habilitação – com o tipo, data de expedição e prazo de validade -, Carteira de Trabalho e Previdência Social – com a série -, e quis saber o número da minha inscrição no PIS/PASEP e se já havia feito alguma retirada e, se positiva a resposta, com data e valor; fez perguntas sobre o meu grau de instrução, pedindo nome de escolas e os números e datas dos respectivos certificados de conclusão dos cursos e dos diplomas; mandou que eu listasse meus cartões de crédito com os respectivos limites e datas de pagamento e que lhe desse os números de minhas contas bancárias com bancos e agências; fez perguntas sobre minha vida sexual, indagando expressamente quantas vezes por semana eu fazia sexo e quantos orgasmos tinha a cada vez (ri tanto que nem consegui responder!), e ainda procurou saber sobre minhas taras (ela gostou de algumas e reprovou a grande maioria!); indagou sobre meus hobbies (na falta de uma boa resposta, uma que impressionasse e fosse politicamente correta, usei meu constitucional direito de ficar calado!); disse-me para mencionar minhas manias (logo no comecinho da narração, pediu-me que parasse!); e quis informação sobre os meus vícios, e, aqui, foi específica pois indagou se eu fumava (quantos cigarros por dia), se eu bebia (socialmente ou não, e nunca entendi o que isso significa!); etc. etc. etc.

Aí, disse-me que esperasse um pouco e fiquei ouvindo as aludidas musiquinhas.

Retornou dizendo o que todos os atendentes dizem e reperguntou tudo, mas, inverteu a ordem das perguntas para ver se eu me confudia, e quase me confundi, mas aleguei esclerose múltipla e abrangente e pedi ajuda aos universitários! e quase que eles me f...

Pediu-me que esperasse novamente.... e a musiquinha...

Voltou e declarou: “O senhor (por que será que, nem pelo telefone, nenhuma atendente mais me chama de você?!) tem 90...”

Nesse instante, aos berros, implorei que parasse!, pois tinha ficado tenso e precisava tomar minha pílula!

Ela – pela voz era bem novinha – mostrou todo o seu espanto: “Vai tomar o quê?!”; e expliquei-lhe que a pílula era avó do comprimido e bisavó da drágea; e ela respirou aliviada, e complementou: “Não precisa tomar a bisavó da drágea não porque são R$ 90 e alguns centavos”; e completou dizendo que, para receber a mencionada quantia, eu precisava fazer o seguinte: enviar cópia autenticada de todas as minhas carteiras, títulos, certificados e certidões, inclusive as de vacinas; apresentar atestado de sanidade física e mental firmado por 4 (quatro) médicos; enviar atestado de boa conduta assinado por 4 (quatro) autoridades nacionalmente reconhecidas; remeter resultado de teste psicotécnico recente e feito em instituição oficial; anexar duas fotos 9x12 com fundo branco e recentes; e, com firma reconhecida e duas testemunhas, mandar um requerimento em que devia declarar e pedir o seguinte: “...”.

Após um monumental silêncio, um segundo talvez, respondi: “Tá vendo?! Devia ter tomado a porra da pílula, não pela razão inicial, é claro, mas pela puta “emoção” que me invade agora!”

E desliguei.

quarta-feira, junho 22, 2005

“Só um anormal é capaz de fazer algo assim!”

Acompanhadas por uma edulcorada e amenosa melodia aviculária que se propagava com uma sublime acústica pendiam do páramo postimeiras patilhas aurífluas; e adornadas por excelsas flores que primorosos e policromáticos ramilhetes em conceptáculos diáfanos compunham; e aromatizadas por tenros e macios frutos que se ofereciam à mesa telúrica e que sabiam a pitanças naturais; e ritmadas pelo quebrar de poéticas ôndulas na borda-mar; e emolduradas pelo éter; e sugadas por mosquitos, por muitos mosquitos, mosquitos pra cacete... nuvens intermináveis de mosquitos assustadores, furiosos e barulhentos...

Que coisa!

O homem levou não sei quantos milhões de anos para inventar todo o conforto que hoje pode ter com o simples premir de um botão e se apraz fazendo programas em que, para não ser devorado por ferocíssimas muriçocas, precisa passar na pele algum preparado capaz de intoxicar um rinoceronte em poucos segundos, e, ainda, tem de usar protetor de ouvido para não ouvir milhares de zumbidos por segundo!

A insensatez humana tem, sem dúvida, dimensões galáticas mas, para compensar, o bom-senso do ser humano é regido por regras galaticamente insensatas.

Outro exemplo prático: quantos anos levou o homem para conseguir chegar à colher e ao garfo?, no entanto, toda vez que vai a restaurante japonês se sente na obrigação de usar hashi (e de beber saquê)!

E há coisas piores, e muito piores! Quem não gasta um monte de horas de viagem para aproveitar as poucas de folga sendo vampiristicamente sugado por tenebrosos fincudos enquanto aprecia postimeiras patilhas aurífluas... ou não vai a restaurante japonês para usar hashi, delicia-se espremido num fiapo de areia tórrida, um braseiro que nem picanha sem pedigree encara, ou se diverte enfrentando riscos tão grandes que, por bem menos, houve a primeira e única greve leonina da história, lá no Coliseu – e com cem por cento de adesão leônica –, ou se deleita fazendo um esforço descomunal em trilhas que jumento que passou, e com louvor, por todos os jumentais testes de resistência e durabilidade não se atreve a arrostar, ou vai ao shopping e se mete na fila para estacionar o carro, e na fila para comprar uma coisa que todo mundo está comprando, e na fila para comer algo que todo mundo está comendo, e na fila para beber um troço que todo mundo está bebendo, e na fila para dar uma mijadinha – e o sujeito não está imitando ninguém dessa vez –, e, por derradeiro, na fila para conseguir ir embora...

Cá entre nós, trocar cama ampla e aconchegante por saco de dormir e chão duro, trocar chuveiro com água quente e sabonete por jato de água gelada e bucha, trocar as cinco ou seis marchas do moderníssimo veículo por uma caminhada capaz de derrear o jumento mais resistente, trocar a deliciosa refeição que acabou de sair das mãos daquela boa e velha cozinheira por um sanduíche de pão dormido com presunto já quase fora do prazo de validade, trocar o ambiente com ar condicionado por uma aventura na boca de um vulcão prestes a entrar em erupção, trocar o edredão duplo e o quarto tépido por alguma empreitada a vinte ou trinta graus abaixo de zero, trocar o sossego do lar pelos perigos da rua e pelos congestionamentos do shopping... cá entre nós... isso não pode ser considerado um bom sinal!

Cá entre nós... quem gosta de viver assim é capaz de fazer qualquer outra coisa!, e só mesmo alguém com a burrice declarada na certidão de nascimento, formado em estupidez, mestrado em idiotismo e doutorado em parvidade, só mesmo um débil mental e debilidade que qualquer aprendiz de auxiliar de paramédico consegue perceber, diante dessas conhecidas e freqüentes atitudes do ser humano “normal” em horas tranqüilas e prazenteiras, acredita que só os “anormais” são capazes dos ensandecidos, tétricos e desonestos comportamentos que a imprensa cotidianamente noticia.

Ah... já sei... você vai, no próximo fim de semana, e só com a água de um cantil, escalar os não sei quantos mil metros de uma íngreme, escarpada, inóspita, terrível, assustadora e rochosa montanha, e na escalada estará sujeito a condições de temperatura e pressão que estão montanhosamente distantes das tropicais, e correrá riscos abismais a cada centímetro, e, ao chegar ao topo, com ventos de 200 km/h, de lá vai pular numa asa-delta experimentalmente minúscula e feita com um material levíssimo cuja resistência ninguém ainda sabe qual é, e está me convidando para participar da aventura?!

E, na segunda-feira, você vai acordar, se espreguiçar e, enquanto estiver tomando seu café da manhã, lerá as manchetes dos jornais e, depois, dirá espantada e conspicuamente: “Só um anormal é capaz de fazer algo assim!”.

quarta-feira, junho 15, 2005

Bem...

Se bem que fosse macia, abundosa e salientemente feminina, e não houvesse aparentemente nenhum traço que sua feminilidade pudesse macular; conquanto exibisse a fêmea insinuante, expusesse-a como uma fruta saborosa e carnuda que açulava o apetite do sujeito mais frugal, mas que permanecia inalcançável pelo poder de um suposto galho que a mantinha fora de alcance; suposto fosse muito... muito... muito bonita... bonita demais da conta, bonita além do limite; bem que alardeasse curvas que tiravam qualquer um do ponto morto, e ostentasse protuberâncias que pareciam afirmar que fariam funcionar a mais velha, a mais gasta suspensão, ou seja, fosse dona de um corpo deliciosamente perfeito e alucinante, sem o menor sinal de anorexia, assitia, disorexia, fastio, inapetência e quejandos - nada de osso exposto, nada de depressões esqueléticas, nada de deprimente falta de recheio -; apesar de ser a pele pura e macia pelúcia, e maravilhosos os cabelos, os olhos, os lábios, o sorriso, a expressão e o semblante, e sensualíssimos os gestos, e pés, braços e mãos; embora fosse meiga, doce, terna, suave, graciosa...; conquanto falasse beijando as palavras e, vez a vez, tornasse-as acidental e lubricamente graves; ainda que ouvisse abraçando o que ouvia e, de quando em quando, de modo inesperadamente, intensamente forte; não obstante andasse como se o mundo precisasse de seu andar para não perder o ritmo e se não desgarrar irremediavelmente pelo espaço; bem que se sentasse como nenhuma outra diva seria capaz de fazer, quer dizer, de maneira espetacular mas sem deixar de ser escrupulosa; apesar de que cruzasse as pernas deslumbrantemente, pois não escondia mas não escancarava; todos, todos, absolutamente todos, do mais parvo ao mais sagaz, do mais embrutecido ao mais sensível, achavam-na estranha, esquisita, e por alguma razão que ninguém conseguia verbalizar.

Ela embevecia... deleitava... extasiava... magnetizava... deslumbrava... excitava e atraía o macho menos convicto... ela agradava até ao olhar de sujeitos vesgos e estrábicos, ao olfato de caras quase anosmáticos, à audição de indivíduos praticamente surdos, e deveria agradar igualmente ao tato e ao paladar do felizão que a tocasse ou mordesse, mesmo que ele fosse vítima de anafia ou de ageusia, e aprazia por todas as suas excepcionais qualidades, por todos os seus fartos méritos, por todos os seus substanciais atributos, por todos os seus petrechos visíveis e imagináveis... mas, mesmo assim, era bizarra... e toda a perplexidade, toda a admiração, todo o enleamento, todo o encanto que dominava quem a visse ou ficasse perto dela vinha emoldurado por uma sensação incômoda, estúrdia, inexplicável...

Ela existia com elegância, respirava classe, transpirava graça e, ao mesmo tempo, transbordava luxúria, exalava feminidade, gerava volúpia, motivava delírios, fazia emergir paixão, incitava devaneios, inspirava e desatava a libido e espertava apetites desbragados, impetuosos, insaciáveis... mas que ela era estapafúrdia, ela era!... excêntrica!... incomum!... e tanto que ninguém deixava de sentir aquele certo incômodo que vinha da singularidade que a nimbava!

Ela possuía uma interminável legião de admiradores, um exército de seguidores aguerridos, uma multidão de fãs indomáveis, um montão de adoradores fervorosos, uma chusma de perseguidores fanáticos, bandos e mais bandos de pedintes embeiçados, e incontáveis enamorados, cultores obstinados, idólatras empedernidos, paqueiradores alucinados, aduladores desmedidos, bajuladores excessivos, e era, noite e dia, sistemática e incessantemente, assediada por um mundaréu de cortejadores... mas não deixávamos todos de considerá-la heteróclita...

Ela era presença freqüente em todos os másculos papos, machas conversas, masculinos sonhos, viris aspirações, viripotentes ilusões, varonis lucubrações, e povoava os desejos dos homens, que nela se inspiravam privada e constantemente, bem como, aparecia em todas as femíneas futricas, fofocas, mexericos, fuxicos, invejas, despeitos, invídias, amuos, raivas e ciúmes... mas sempre era inexplicavelmente esdrúxula a abordagem...

Sobre ela, contavam-se histórias hipnóticas, faziam-se relatos sedutores, surgiam narrações fascinantes, sobejavam exposições magníficas, abundavam declarações retumbantes, e acompanhados de comentários vibrantes, fulgurosos, altissonantes... mas sempre rodeados de entonações inusitadas...

O mais incrédulo de todos os ímpios acreditava sem indagações, o maior prosélito do ceticismo abonava sem reticências, o mais frio, o mais indiferente, o mais desprovido de emoção vibrava sem hesitações, o mais alheio atentava sem desvios, o mais crítico louvava sem ressalvas, o mais exigente aceitava sem objeções nem reparos, o mais desinteressado se agitava sem restrições e mesmo os notoriamente avessos tremelicavam... mas, a despeito de tudo isso, da crença, do abono, da vibração, do tento, da louvação, do aceitamento, da agitação e do tremelhique, achavam-na excêntrica...

Revelava-se uma mulher plena, completa... capaz, em certos momentos, de suplicar ajuda tal e qual pequena e frágil jangada à mercê de um mar colossal e, em outros, de intimidar feito esquadra imbatível e pronta a subjugar a indefensível baía; mas... ainda assim... tinha um substancial traço de extravagância...

Bem... ontem ela se mudou e não deu a ninguém o seu novo endereço, e todos achamos muito estranho...

sábado, junho 11, 2005

“O Processo” e o termo kafkiano

Ele não se havia chocado, até então, tão profundamente, com tamanha densidade, ainda não tinha tido um baque que tanto abalasse sua crença na “Coerência Mínima”, e esse era o nome que dava a derradeira bóia que, inclusive, carinhosamente chamava de “Mínima”, e a que impediria o afogamento no momento de maior agitação das águas. Para ele, ela era aquela garantia insuperável que estaria intacta e disponível quando nenhuma outra se mostrasse útil. E confiava de forma irrestrita na “Mínima”.

Depois de anos e mais anos vivendo no mar, candidatou-se e foi aprovado com louvor para o cargo de Mestre de Remo, na Administração do Recanto Jubiloso, um dos Recantos da Federação Ilhéu.

Era a Federação Ilhéu um lugar exótico, muito exótico, pessoas, fauna, flora, e assim era o Recanto Jubiloso, e ele sabia, mas não imaginava até onde ia esse exotismo.

Já ouvira falar o Mestre de Remo de um livro chamado “O Processo” e do termo kafkiano, mas eram de uma terra semota, bem semota.

Assim que assumiu o cargo de Mestre de Remo, soube que Mestre de Vela e Mestre de Navegação ganhavam “um abono em razão do tempo de atividade marítima anterior à nomeação, desde que não exercida cumulativamente com qualquer outra função na Administração da Federação Ilhéu”, e abono conferido por uma regra da legislação do Recanto Jubiloso, exatamente onde exercicia seu ofício o Mestre de Remo, e regra chamada regra-condessa, e o motivo desse nome veremos no próximo parágrafo.

Soube, também, o Mestre de Remo que a Lei Rainha, que assim era chamada a mais importante de todas as leis da Federação Ilhéu, continha uma regra, por conseguinte regra-rainha, que determinava “que os vencimentos do cargo de Mestre de Remo fossem iguais aos dos cargos de Mestres de Vela e de Navegação”.

De imediato, como tinha muitos anos de atividade marítima exercida antes de ser nomeado Mestre de Remo e não a exercera cumulativamente com qualquer outra função na Administração da Federação Ilhéu, valendo-se referida regra-rainha, o Mestre de Remo à Administração do Recanto Jubiloso pediu que lhe fosse conferido o referido abono, e se iniciou o Devido Trâmite.

E passou-se muito tempo até que a decisão chegasse ao Mestre de Remo e lhe negava a Administração do Recanto Jubiloso o aludido abono e a negação fundava-se em um único argumento:

“Havia regra-condessa a conceder expressamente o abono citado a Mestre de Vela e a Mestre de Navegação e não existia regra equivalente, ou seja, regra-condessa que o concedesse a Mestre de Remo.”

E, na decisão, nem, ao menos, uma palavra sobre a razão que havia levado o decididor a considerar inútil, imprestável, inservível a regra-rainha brandida pelo Mestre de Remo!

Ficou deveras abismado o Mestre de Remo e pediu socorro à “Coerência Mínima” e, pela primeira vez, a “Mínima” deixou-o ainda mais confuso... Valia-se da “Mínima”, relia a regra-rainha e desabava num mar de dúvida, tragado por uma forte corrente de incoerência.

E seguia martelando-lhe o bestunto a regra-rainha: para que serviria? qual seria o seu sentido? por que teria sido escrita? E a “Mínima” não o ajudava a encontrar respostas, e ficou tão atônito que começou mesmo a duvidar de sua sanidade mental e a questionar até sua alfabetização.

E obsessivamente lia, e relia e tornava a ler a regra-rainha, e nada, nenhuma resposta surgia.

Entretanto, a “Mínima” deu-lhe uma colher de chá ao fazê-lo lembrar-se de recorrer aos doutos e aos jurisconsultos, o que ele imediatamente fez, devorando compêndios, livros e tratados, o que, de certo modo, deixou-o, num primeiro momento, menos perplexo porquanto diziam doutos e jurisconsultos que regra-condessa, portanto inferior, subalterna, submissa, dispensava a citada regra-rainha, pois regra da mais importante lei da Federação Ilhéu.

Mas, o que, no primeiro instante, pareceu atenuar a perplexidade do Mestre de Remo, potencializou-a no momento seguinte: se doutos e jurisconsultos afirmavam a superioridade incontestável da regra-rainha, como nenhuma palavra sobre ela dissera o decididor?!

No entanto, já ia tão longe a sensação de insanidade do Mestre de Remo, que, com o denodo dos loucos, ele foi em frente. E procura daqui, procura dali, procura acolá, encontrou decisão do Tribunal Mais Alto da Federação Ilhéu afirmando a desnecessidade de regra-condessa diante da realeza da dita regra-rainha. Descobriu também decisão do Tribunal do Recanto Jubiloso, e decisão que afirmava também que a regra-rainha discutida não precisava de regra-condessa para ser aplicada.

Ao descobrir tais decisões, o Mestre de Remo, em vez de sentir aquele arrefecimento da perplexidade que sentira quando encontrara apoio em doutos e jurisconsultos, sentiu-se definitivamente doido e passou a achar que tais decisões dos Tribunais eram mero fruto de sua loucura, pois nenhum decididor as desconheceria se realmente existissem!

Contudo, como maluco é assim mesmo, da decisão denegatória o Mestre de Remo recorreu.

Em seu recurso, alegou simplesmente que a regra-rainha – plenamente eficaz, como falavam doutos e jurisconsultos e tinham decidido o Tribunal Mais Alto da Federação Ilhéu e o Tribunal do Recanto Jubiloso – tornara absolutamente desnecessária qualquer regra-condessa específica, pois regra-súdita, regra-vassala, já que, precisamente em função do que determinava a peculiaríssima e súpera vontade da dita regra-rainha, aquela regra-condessa que concedia o abono a Mestres de Vela e de Navegação deveria ser lida como se dissesse:

- Têm direito ao abono... os Mestres de Vela, de Navegação e de Remo.

E, assim, estaria superada a argumentação da Administração do Recanto Jubiloso que afirmava necessária uma regra-condessa, pois a regra-condessa existia na legislação do Recanto Jubiloso, por expressa e clara determinação da regra-rainha, como acabou de ser mostrado!

E o Devido Trâmite foi adiante, e novamente uma negativa decisão surgiu e outra vez fundada na inexistência de regra-condessa específica!

E, outra vez, nem, ao menos, uma palavra sobre a razão que havia levado o decididor a considerar inútil, inservível, imprestável a regra-rainha!, mesmo sabendo que doutos e jurisconsultos consideram-na existente, válida e autoaplicável, mesmo sabendo que este também fora o entendimento do Tribunal Mais Alto da Federação Ilhéu e do Tribunal do Recanto Jubiloso!

A essa altura, já tinha terríveis pesadelos o Mestre de Remo e neles via a Condessa, aliás, as Condessas, que são muitas, coroadas todas e sentadas num trono grande o bastante para acomodar tantas bundas, e a pobre Rainha a se locomover de joelhos para beijar a mão de cada uma delas!

Em outros delírios, via a regra-rainha solta no ar, quase transparente, e ela lhe dizia:

- Sou regra-fantasma! Sou regra-fantasma!

E, entre a Rainha ajoelhada e a regra-fantasma, vagava a alma do Mestre de Remo. E chorava pela Rainha humilhada. E sentia calafrios pensando na regra-fantasma. E, nas ocasiões mais terríveis, via-se decididamente sacudido pelos decididores que lhe ordenavam que aprendesse a ler! E eram tão imensos os decididores que, com sua limitada visão, não lhes conseguia ver claramente as fisionomias o Mestre de Remo, e ficava aterrorizado!

Mas, mesmo em tão deplorável estado, conseguiu o Mestre de Remo encontrar forças para apelar para o Grupo Encarregado de Julgar Pedidos dos Empregados do Recanto Jubiloso, um órgão ligado à Administração do Recanto Jubiloso e por ela mantido, mas que, imaginava o Mestre de Remo, não permitiria que a Rainha continuasse ajoelhada nem que por aí perambulasse fantasmagoricamente regra dela.

Mas, para absoluta e total supresa do Mestre de Remo, já no Primeiro Subgrupo do aludido Grupo, rechaçou-se laconicamente seu pedido e, de novo, com base no mesmo argumento: “inexistência de regra-condessa conferindo a Mestre de Remo o abono”.

E, novamente, nem, ao menos, uma palavra sobre a razão que havia levado o Primeiro Sub-Grupo a considerar inútil, inservível, imprestável a regra-rainha!, mesmo sabendo que doutos e jurisconsultos consideram-na existente, válida e autoaplicável, mesmo sabendo que este também foi o entendimento do Tribunal Mais Alto da Federação Ilhéu e do Tribunal do Recanto Jubiloso!

Entretanto, o não unânime resultado do julgamento permitiu-lhe levar seu pedido ao Grupo Reunido, o segundo nível decisório do Grupo, e novamente foi o Mestre de Remo derrotado, e foi o mesmo o argumento: “inexistência de regra-condessa conferindo a Mestre de Remo o abono”.

E, de novo, nem, ao menos, uma palavra sobre a razão que havia levado o Grupo Reunido a considerar inútil, inservível, imprestável a regra-rainha!, mesmo sabendo que doutos e jurisconsultos consideram-na existente, válida e autoaplicável, mesmo sabendo que este também foi o entendimento do Tribunal Mais Alto da Federação Ilhéu e do Tribunal do Recanto Jubiloso!

Agora, já dilacerado e prestes a se convencer de que não é capaz de pensar, nem de ler, nem de argumentar, garatujou seu derradeiro recurso e, aos trancos e barrancos, entregou-o ao Chefe do Recanto Jubiloso, e, afogado em caudalosas erupções salivares espontâneas e incontroláveis, aguarda a decisão final!

E, ainda indeciso a respeito de sua capacidade para ler “O Processo”, decidiu ir ao pai-dos-burros para descobrir o significado do termo kafkiano, e descobriu o seguinte:
“kafkiano – que...evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo, especialmente em um contexto burocrático que escapa a qualquer lógica ou racionalidade” (Houaiss)

segunda-feira, junho 06, 2005

Como não sei bem do que estou falando, é melhor não botar um título

Nada mais me surpreende e ainda fico surpreso com tudo; cambaleio - amparado pelas deliciosas mãos da fogosa, a filha-do-senhor-do-engenho – ao sabor do reumático estalar de meus vetustos dedos que se recordam das teclas da Underwood 5 - 1915 e se intimidam com o plac-plac-plac do moderníssimo teclado do computador pessoal 2005, modelo 2006, Mega-Hiper-Super; perco-me nas entrelinhas da velha e amarelada Gramática e me atrapalho com o novíssimo Corretor Multiortográfico que se exibe em tecnicolor; tento ler as mensagens escritas com límpida fumaça e enviadas pela turma de uma velha taba que ainda não está extinta e vago por entre e-mails embaçados que me mandou uma tribo nova que quer extinguir-se; olho concupiscentemente o, digamos assim, equipamento sentador da moça e fecho os olhos para lembrar do tempo em que a concupiscência não era matéria predominantemente visual; estico-me para tentar apanhar uma idéia num turvo e trôpego espaço mental e mentalizo turva e tropegamente um esticamento para alcançar espacialmente alguma idéia; abraço a lógica ortodoxa da tradicional escola vila-mimosense e pasmo das bromélias heterodoxas que inovam e entram de sola na madrugada cheia de silicone; defendo compulsivamente o sincretismo (ecletismo?!) ético-cultural e não largo o purismo de padrões sócio-morais cuja relevância é, no mínimo, discutível; me apóio na coluna vertebral de uma mulata sensacional e tento mergulhar na mais profunda depressão lordosiana sem me abismar com a queda, mas, nada feito, a viagem do metrô é muito rápida; peço uma loura gelada e um torresmo e fico tonto diante da efusiva manifestação de solidariedade que não recebo da turba que desconhece a importância histórico-reprodutiva do boteco; me entrincheiro nos bastidores de um culto ecumênico e vejo um programa de sexo explícito que seria impossível entender sem a ajuda da legenda; saco a minha pistola de raio laser e opero a catarata da galera que não consegue vaga na rede pública mas sou autuado em flagrante por ter praticado um crime contra a estupidez da espécie humana; faço um comício trancado a sete chaves no banheiro e sou vaiado por um vizinho retrógrado que acha que o banheiro deve servir unicamente a algum objetivo higiênico-sanitário e que, por certo, nunca “leu” uma revista de sacanagem sentado no vaso; cantarolo um jingle de um produto que há de revolucionar a cadeia produtiva e produzo uma celeuma que pode abalar a produção de insumos necessários à expansão das cadeias para os que teimam em não produzir; sacudo os arautos da verdade que vivem dizendo que o fato não resiste à interpretação convincente e levo uma sacudidela do passageiro que estava ao meu lado porque cheguei a babar em seu ombro enquanto cochilava; penso em botar pra fora o membro, o que não parava de se manifestar na reunião do conselho, e, segundo o conselho da senhora que não tira os olhos dos membros, eu devia me preocupar com os membros que já não conseguem mais se manifestar; tenho de achar em meus refolhos a forma de fazer uma nova áfrica a cada segundo para não me perder pelo caminho e perco a tramontana toda vez que creio ter encontrado a maneira de resolver essa américa de asiáticos problemas que surge na minha trilha; já não fico surpreso com mais nada e tudo ainda me surpreende tanto!

quinta-feira, junho 02, 2005

No meio de um papo, surgiu a juvenília

Outro dia, no meio de um papo, surgiu a juvenília, e fiz um baita esforço para saber do que se tratava, para ver se atinava com algo que me pudesse ajudar na testilha, e, por alguma razão, lembraram-me a Cecília, maravilha da vizinhança cujo pai era de Sevilha, aquele bafafá em família por causa de uma tal partilha de mobília de sala, a lanterna de pilha com a qual iluminei o que havia por baixo da saia da filha da dona Emília, e deu a maior merda, e aquela enorme quizília por causa da “Queda da Braguilha” que quase fez cair a bastilha da Marília no vão debaixo da escada; mas, de juvenília, nada...

Veio à memória o “selo, carimbo, estampilha” em quem aparecia com o cabelo cortado, e passaram bem na minha frente: bafo-bafo; pêra-uva-e-maçã; pipa; e bolas, de gude, de meia, de borracha, de couro; pique-baixo; pique-cola; rolimã com rodas de bilha descendo a ladeira; carniça, mas vá escrever carta pra namorada na p...; mas, de juvenília, nada...

Lembrou-me aquela forquilha... ainda bem que deu errado e o sorveteiro era gente boa; mas, de juvenília, nada...

Surgiu quase o mesmo tesão - desculpe-me o exagero! - que me tomou quando surpreendi dona Lília coçando a virilha, e por cima da saia... mas, de juvenília, nada...

Passados alguns refrigeradores minutos, cogitei até daquelas vasilhas bem areadas que povoavam a cozinha, pensei no cozimento da lentilha que iluminava as redondezas com seu cheiro, nas tortilhas, especialidade da dona Soledad, naquelas ervilhas verdes e brilhantes que eram cozidas e iam, depois, ao forno com ovos por cima, e no sorvete de baunilha que só aparecia em dia de festa, mas, de juvenília, nada...

Recordei até aquelas pastilhas de um certo inseticida, creio que eram esbranquiçadas, que se queimavam e cuja fumaça matava baratas, pulgas, mosquitos, bem como, cachorros, gatos, pássaros e tudo mais que ficasse dando sopa por ali... mas, de juvenília, nada...

Lembrei de festa de São João, fogueira, batata-doce na brasa, quentão e quadrilha... mas, de juvenília, nada....

Visualizei as armadilhas pra caçar passarinho e, logo a seguir, a primeira presilha de sutiã que abri, Otília, já com muitas milhas, e delicada, professoral..., e quase tornei a sentir a gonorréia, depois, algo causado por monília, e o chato... mas, de juvenília, nada...

Retumbaram na mente, a seguir, Juscelino, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Brasília... mas, de juvenília, nada...

Tornei a ouvir a notícia sobre a Baía dos Porcos, a tentativa de invasão, e, no ano seguinte, o bloqueio com flotilhas e esquadrilhas... mas, de juvenília, nada...

Mais tarde, revivi as vigílias na esquina que varavam a madrugada, e no meio da matilha, coisa de homem, e com cerveja e cigarrilha, hábitos já antigos... mas, de juvenília, nada...

Revirei no bestunto as anotações de uma velha apostília... mas, de juvenília, nada...

Por fim, esgueirei-me e saí silenciosamente e fui folhear meus velhos e inéditos escritos, contos, crônicas, versos...

quarta-feira, junho 01, 2005

O beijo e o cacófato

Não... não é por aí... não dá pra ter mais uma daquelas crises juvenis de ciúmes depois de mais de trinta anos de casada e me sentir!, depois, como se tivesse desfilado pela praia com esses meus cinqüenta e alguma coisa e com o biquinininho da minha neta de dezesseis, ou me sentir até pior... Não... não... não é por aí... é inadmissivelmente ridículo!

Mas, por outro lado, não me manifestar sobre o assunto, agir como se nada houvesse acontecido e permitir, assim, que toda uma torrente de emoções reprimidas afetem, daí pra frente, e se sabe lá como, quando e quanto?!, a relação, não é uma forma adulta de enfrentar o problema, e madura muito menos!, e é o outro extremo, é não ter mais coragem de ir à praia usando o maiô adequado, é me deprimir e arrasar, me envergonhar de mostrar convenientemente o que sou... Não... não... não tenho o direito de fazer isso comigo!

Afastados os extremos, resta o meio, e aí se encontra a virtude!

Momento ideal. Postura adequada. Abordagem própria. Discurso medido. E assim se resolve a questão. Nada de adolescente crise de ciúme nem de mutismo incompatível com a maturidade!

O momento. Logo que ele chegar em casa! Mas não afetará a conversa o cansaço, a tensão e todas aquelas outras coisas desagradáveis que, mesmo quando a gente não quer, vêm da rua para dentro do lar? Talvez seja melhor deixar para o primeiro instante da manhã, a primeira coisa do dia! Mas será que estaremos já plenamente conscientes e preparados para esta conversa ou, afetados pela noite de sono, ainda não teremos recuperado de todo o necessário descortino para conversarmos sobre o assunto?!

Há outros itens, melhor sopesá-los primeiro!

Seria a postura ideal a séria, simplesmente séria? Ou melhor seria dar-lhe um toque triste? Quiçá um traço de alegria para não tornar a fisionimia pesada demais? Seria preciso ficar mesmo carrancuda? ou entremear alguns sorrisos seria o melhor?

Vamos deixar pra lá um pouco a postura e pensar em algum outro ponto.

A abordagem! Aqui, acho que é fácil. Não dramatizo nada, nada... mas não seria bom dar um certo tom de drama?! pra que não pareça um assunto banal?! Será que convém ou não?! Talvez valha a pena inserir um pouco de piada para desanuviar o ambiente! Mas não tornará vulgar a conversa?! E se eu...

Melhor pensar primeiro no discurso...

Faço uma pequena introdução... ou será melhor ir direto ao assunto, friamente?! Que tal uma introdução um pouco mais longa e, depois, toco no assunto de modo menos frio?! Não, é melhor não fazer nenhuma introdução e, neutramente... É melhor mesmo?! Quem sabe um longo e candente intróito absorve as maiores tensões e me deixa mas tranqüila para tratar do assunto?!

Vamos ver outro ponto... que outro ponto?

Sabe de uma coisa, não vou ter uma crise juvenil de ciúme nem vou deixar de me manifestar, mas se ele se manifestou comendo aquela galinha da Liloca, eu me manifesto galinhando e dando pro Rodolfo, e, se os galhos derem galho, digo que tudo não passou de um beijo e de um cacófato: o beijo que o Rodolfo deu-me!