quarta-feira, junho 15, 2005

Bem...

Se bem que fosse macia, abundosa e salientemente feminina, e não houvesse aparentemente nenhum traço que sua feminilidade pudesse macular; conquanto exibisse a fêmea insinuante, expusesse-a como uma fruta saborosa e carnuda que açulava o apetite do sujeito mais frugal, mas que permanecia inalcançável pelo poder de um suposto galho que a mantinha fora de alcance; suposto fosse muito... muito... muito bonita... bonita demais da conta, bonita além do limite; bem que alardeasse curvas que tiravam qualquer um do ponto morto, e ostentasse protuberâncias que pareciam afirmar que fariam funcionar a mais velha, a mais gasta suspensão, ou seja, fosse dona de um corpo deliciosamente perfeito e alucinante, sem o menor sinal de anorexia, assitia, disorexia, fastio, inapetência e quejandos - nada de osso exposto, nada de depressões esqueléticas, nada de deprimente falta de recheio -; apesar de ser a pele pura e macia pelúcia, e maravilhosos os cabelos, os olhos, os lábios, o sorriso, a expressão e o semblante, e sensualíssimos os gestos, e pés, braços e mãos; embora fosse meiga, doce, terna, suave, graciosa...; conquanto falasse beijando as palavras e, vez a vez, tornasse-as acidental e lubricamente graves; ainda que ouvisse abraçando o que ouvia e, de quando em quando, de modo inesperadamente, intensamente forte; não obstante andasse como se o mundo precisasse de seu andar para não perder o ritmo e se não desgarrar irremediavelmente pelo espaço; bem que se sentasse como nenhuma outra diva seria capaz de fazer, quer dizer, de maneira espetacular mas sem deixar de ser escrupulosa; apesar de que cruzasse as pernas deslumbrantemente, pois não escondia mas não escancarava; todos, todos, absolutamente todos, do mais parvo ao mais sagaz, do mais embrutecido ao mais sensível, achavam-na estranha, esquisita, e por alguma razão que ninguém conseguia verbalizar.

Ela embevecia... deleitava... extasiava... magnetizava... deslumbrava... excitava e atraía o macho menos convicto... ela agradava até ao olhar de sujeitos vesgos e estrábicos, ao olfato de caras quase anosmáticos, à audição de indivíduos praticamente surdos, e deveria agradar igualmente ao tato e ao paladar do felizão que a tocasse ou mordesse, mesmo que ele fosse vítima de anafia ou de ageusia, e aprazia por todas as suas excepcionais qualidades, por todos os seus fartos méritos, por todos os seus substanciais atributos, por todos os seus petrechos visíveis e imagináveis... mas, mesmo assim, era bizarra... e toda a perplexidade, toda a admiração, todo o enleamento, todo o encanto que dominava quem a visse ou ficasse perto dela vinha emoldurado por uma sensação incômoda, estúrdia, inexplicável...

Ela existia com elegância, respirava classe, transpirava graça e, ao mesmo tempo, transbordava luxúria, exalava feminidade, gerava volúpia, motivava delírios, fazia emergir paixão, incitava devaneios, inspirava e desatava a libido e espertava apetites desbragados, impetuosos, insaciáveis... mas que ela era estapafúrdia, ela era!... excêntrica!... incomum!... e tanto que ninguém deixava de sentir aquele certo incômodo que vinha da singularidade que a nimbava!

Ela possuía uma interminável legião de admiradores, um exército de seguidores aguerridos, uma multidão de fãs indomáveis, um montão de adoradores fervorosos, uma chusma de perseguidores fanáticos, bandos e mais bandos de pedintes embeiçados, e incontáveis enamorados, cultores obstinados, idólatras empedernidos, paqueiradores alucinados, aduladores desmedidos, bajuladores excessivos, e era, noite e dia, sistemática e incessantemente, assediada por um mundaréu de cortejadores... mas não deixávamos todos de considerá-la heteróclita...

Ela era presença freqüente em todos os másculos papos, machas conversas, masculinos sonhos, viris aspirações, viripotentes ilusões, varonis lucubrações, e povoava os desejos dos homens, que nela se inspiravam privada e constantemente, bem como, aparecia em todas as femíneas futricas, fofocas, mexericos, fuxicos, invejas, despeitos, invídias, amuos, raivas e ciúmes... mas sempre era inexplicavelmente esdrúxula a abordagem...

Sobre ela, contavam-se histórias hipnóticas, faziam-se relatos sedutores, surgiam narrações fascinantes, sobejavam exposições magníficas, abundavam declarações retumbantes, e acompanhados de comentários vibrantes, fulgurosos, altissonantes... mas sempre rodeados de entonações inusitadas...

O mais incrédulo de todos os ímpios acreditava sem indagações, o maior prosélito do ceticismo abonava sem reticências, o mais frio, o mais indiferente, o mais desprovido de emoção vibrava sem hesitações, o mais alheio atentava sem desvios, o mais crítico louvava sem ressalvas, o mais exigente aceitava sem objeções nem reparos, o mais desinteressado se agitava sem restrições e mesmo os notoriamente avessos tremelicavam... mas, a despeito de tudo isso, da crença, do abono, da vibração, do tento, da louvação, do aceitamento, da agitação e do tremelhique, achavam-na excêntrica...

Revelava-se uma mulher plena, completa... capaz, em certos momentos, de suplicar ajuda tal e qual pequena e frágil jangada à mercê de um mar colossal e, em outros, de intimidar feito esquadra imbatível e pronta a subjugar a indefensível baía; mas... ainda assim... tinha um substancial traço de extravagância...

Bem... ontem ela se mudou e não deu a ninguém o seu novo endereço, e todos achamos muito estranho...