quarta-feira, outubro 12, 2005

Você acha mesmo que tem jeito?!

Inda onte, 11 de outubro de 2005, 184º da Independência, 117º da República, estavam jogando o time A e o Atlético-MG, no estádio Luso-Brasileiro, e, se o time A perdesse, o time B entraria na zona (eta palavrinha danada!) de rebaixamento, isto é, a tal zona onde ficam os quatro últimos zoneados, quer dizer, colocados do campeonato.

Por acaso, o time A e o time B são do mesmo Estado, e esse Estado é o Rio de Janeiro. Por acaso ainda, são da mesma Cidade, e essa Cidade chama-se Rio de Janeiro. Por acaso também, o time A é chamado de urubu e o B, de bacalhau. E outra vez por acaso, o time A usa o preto e o vermelho e o B, o branco, o preto e a cruz-de-malta. Não lhes vou dar mais pistas porque não quero que adivinhem os nomes dos times.

Prestava atenção no jogo um torcedor do time B e, cá com os meus botões, pensei eu: “simplesmente porque é o mais sensato, o mais lógico, o mais plausível, tá torcendo pelo time A...”

E estava prestando muita atenção no jogo o aludido torcedor, e tanta atenção prestava que, com freqüência, pra se manter informado, atravessava a rua e ia ao outro bar, onde o pessoal, pela tevê, assistia ao jogo...

De repente, repentinamente, subitamente, faz um gol o Atlético-MG... E o referido torcedor solta um grito de absoluta, total e completa felicidade! E o sorriso que exibiu nenhuma dúvida deixou! Era felicidade mesmo, a maior, a mais profunda, a mais exuberante, a mais abrangente ventura que um ser pode experimentar, sentir, viver!

É claro que dei um pequeno mergulho na razão e, vencidas as camadas de cerveja que já bebera, ultrapassadas as correntezas alcoólicas, comecei a pensar num comportamento exepcional, desequilibrado, numa falha qualquer na estrutura emocional, num possível desvio de alguma coisa, quiçá algum parafuso solto, porca gasta ou arruela faltante... Mas, quando apelava pra razão na tentativa de absolver o resto da humanidade, que nesse bolo eu estou!, o referido torcedor dirigiu-se a outro torcedor do time B e comunicou-lhe que o A estava perdendo o jogo...

O sorriso do segundo torcedor foi, e podem acreditar, muito, muito, mas muito mais amplo, muito mais feliz do que o do primeiro... e o negócio foi indo... cada novo sorriso de um outro torcedor do time B era inimaginavelmente mais gostoso, mais escancarado, mais sorriso, e mais... e mais...

Nada ali era falso, ou superficial, nada era mera exteriorização infiel a algum sentimento mais profundo, nada era parte de uma dissimulação visível para esconder a decepção invisível... Era a mais plena, a mais integral harmonização entre o interior e o exterior...

Quando a peleja (ah... que tempo bom!) terminou, todos!, todos!, todos os torcedores do time B e alguns do time C e outros do time D pareciam tomados pelo mesmo prazeroso orgasmo, pelo mais visceral gozo, creio mesmo que nunca antes tinham chegado a tão magnífico êxtase!

Tamanha, tão cabal e inquestionável demonstração da supremacia do ódio e do rancor, da hegemonia da insanidade, da primazia da porra-louquice, da preponderância da inconseqüência, tamanho desprezo pela ponderação e pela medida me tocou tanto que saí decidido a torcer contra o time B mesmo que uma derrota dele pudesse significar o desparecimento completo e definitivo do meu time, o time A...

E, quando tentei dar um novo mergulho na razão, dei literalmente com os burros n’água...

Agora, me diga, se é assim no futebol que, afinal, é só futebol, nada mais do que futebol, tão-somente bola pra lá e pra cá durante noventa minutos... e mesmo sem apelar pra razão que parece já ter ido pro vinagre há muito tempo... não dá?, pelo menos, pra ter uma melhor visão das abomináveis coisas que rolam no coração(?!) e na cabeça(?!) do ser humano(?!) quando se trata de etnia, de raça, de religião, de política, de poder, de dinheiro...

Você acha mesmo que tem jeito?!

P.S. Pouco antes do episódio referido, e sempre no bar, um torcedor de um time, que pode ser de qualquer um, havia dito enfática e superiormente: “A aftosa não vai causar nenhum problema, não vai nenhuma repercussão, é pouca coisa, já tá tudo resolvido, e só os babacas pensam de maneira diferente!”; aí... hoje... é isso aí sim... hoje... um dia depois só... peguei O Globo e li a manchete: “Aftosa leva 28 países e 8 estados a embargar carne”. Você acha mesmo que tem jeito?!