quarta-feira, junho 01, 2005

O beijo e o cacófato

Não... não é por aí... não dá pra ter mais uma daquelas crises juvenis de ciúmes depois de mais de trinta anos de casada e me sentir!, depois, como se tivesse desfilado pela praia com esses meus cinqüenta e alguma coisa e com o biquinininho da minha neta de dezesseis, ou me sentir até pior... Não... não... não é por aí... é inadmissivelmente ridículo!

Mas, por outro lado, não me manifestar sobre o assunto, agir como se nada houvesse acontecido e permitir, assim, que toda uma torrente de emoções reprimidas afetem, daí pra frente, e se sabe lá como, quando e quanto?!, a relação, não é uma forma adulta de enfrentar o problema, e madura muito menos!, e é o outro extremo, é não ter mais coragem de ir à praia usando o maiô adequado, é me deprimir e arrasar, me envergonhar de mostrar convenientemente o que sou... Não... não... não tenho o direito de fazer isso comigo!

Afastados os extremos, resta o meio, e aí se encontra a virtude!

Momento ideal. Postura adequada. Abordagem própria. Discurso medido. E assim se resolve a questão. Nada de adolescente crise de ciúme nem de mutismo incompatível com a maturidade!

O momento. Logo que ele chegar em casa! Mas não afetará a conversa o cansaço, a tensão e todas aquelas outras coisas desagradáveis que, mesmo quando a gente não quer, vêm da rua para dentro do lar? Talvez seja melhor deixar para o primeiro instante da manhã, a primeira coisa do dia! Mas será que estaremos já plenamente conscientes e preparados para esta conversa ou, afetados pela noite de sono, ainda não teremos recuperado de todo o necessário descortino para conversarmos sobre o assunto?!

Há outros itens, melhor sopesá-los primeiro!

Seria a postura ideal a séria, simplesmente séria? Ou melhor seria dar-lhe um toque triste? Quiçá um traço de alegria para não tornar a fisionimia pesada demais? Seria preciso ficar mesmo carrancuda? ou entremear alguns sorrisos seria o melhor?

Vamos deixar pra lá um pouco a postura e pensar em algum outro ponto.

A abordagem! Aqui, acho que é fácil. Não dramatizo nada, nada... mas não seria bom dar um certo tom de drama?! pra que não pareça um assunto banal?! Será que convém ou não?! Talvez valha a pena inserir um pouco de piada para desanuviar o ambiente! Mas não tornará vulgar a conversa?! E se eu...

Melhor pensar primeiro no discurso...

Faço uma pequena introdução... ou será melhor ir direto ao assunto, friamente?! Que tal uma introdução um pouco mais longa e, depois, toco no assunto de modo menos frio?! Não, é melhor não fazer nenhuma introdução e, neutramente... É melhor mesmo?! Quem sabe um longo e candente intróito absorve as maiores tensões e me deixa mas tranqüila para tratar do assunto?!

Vamos ver outro ponto... que outro ponto?

Sabe de uma coisa, não vou ter uma crise juvenil de ciúme nem vou deixar de me manifestar, mas se ele se manifestou comendo aquela galinha da Liloca, eu me manifesto galinhando e dando pro Rodolfo, e, se os galhos derem galho, digo que tudo não passou de um beijo e de um cacófato: o beijo que o Rodolfo deu-me!