quarta-feira, setembro 28, 2005

Coçadelas e coçaduras

Conspícua coceira, magnificentíssima coceira, ah... coceira danada..., e me coço com vontade e freqüência, não necessariamente na frente de todo mundo, pois há convenções e regras – discutíveis, é claro! – que tal ato execram, anatematizam, porquanto não consideram de bom-tom uma coçadinha aqui e outra ali e outra lá quando em público, máxime quando é aqui ou lá, mas, tais convenções e regras anuem com uma porrada cá, uma cacetada acolá e com muitas outras coisas mais bem menos edificantes.

Mas, meu negócio hoje é o coçar e, todos sabemos visto que ouvimos faz tempo, “para comer e coçar, basta começar”, e não páro mais depois que começo, que é incomensurável, inarrável, intraduzível o prazer de dar uma boa e demorada coçadela ou coçadura (que também é muito bom coçá-lo!).

Não tenho a menor dúvida do grande deleite – e às vezes dá – que podem dar-nos coçadelas e coçaduras... e muitas vezes as menores, as mais simples coceirinhas são fantasticamente agradáveis... posto as percamos de vista com inusitada assiduidade (pode ser por causa do seu diminuto tamanho ou em função de vista cansada ou de miopia!).

E tal perda é um paradoxo, quando olhada pelo lado da ortodoxia? Não sei... É possível que seja algo heterodoxo, se visto por valores sustentados pela crença? Não sei também... Tão-só perfunctória abordagem estimulada por mínimos pruridos recorrentes e de etiologia ambígua? Talvez... Nada mais que um esdrúxulo, um estapafúrdio argumento sob a ótica da lógica impermeável tal qual capa de chuva ou galocha? Sei lá... Pura (ou impura?!) barafunda intelectual capaz de motivar a atestação da sanidade mental do ‘samba do crioulo doido’ ou despretensiosa especulação etérea diante de uma pequena particularidade da matéria que pode causar prazer mas também embaraço? Pode ser... E pode não ser nada disso... Mas, vamos deixar essas sutilezas filosófico-coçológicas de lado...

Não vou especificar que coçadelas ou coçaduras mais me satisfazem porque não quero polemizar e, menos ainda, incentivar alguma alma mais flexível, mais maleável, a mudar de hábitos, ou melhor, de alvo...

Coçar é bom, muito bom, é bom demais... Propicia uma resposta psíquico-corpórea agradavelmente proprocional à demanda, à necessidade... Entretanto, a coçadela ou coçadura indesejadamente postergada pode transformar-se em crudelíssima fonte de desconfortos sérios que podem mesmo gerar traumas psicossomáticos de monta... Em compensação, aquela que, por volição, é adiada... hum!... assume contornos nirvânicos quando se concretiza, se não resvala no sadomasoquismo... bem, há quem goste...

Não vou avaliar a influência do hábito de coçar na formação da personalidade de um indivíduo, muito menos sua influência no desenvolvimento das relações sócio-afetivas, apesar de ter constatado em minha séria e extensa pesquisa que há notória presença de demoradas e profundas coçadelas no aprofundamento da relação entre mãe e filho, que há inquestionável ocorrência de gostosas coçaduras nas relações carnal-sentimentais, e coçadelas e coçaduras estão presentes, especialmente, no reino animal própria ou impropriamente dito, no qual, sem medo de me equivocar, o coçar está no mesmo plano do acasalar, do beber e do comer... e, talvez, até absorva, do ponto de vista temporal, uma parcela de dedicação razoavelmente maior... Mas, o mais relevante e substancial, é a função sócio-agregativa que coçadela e coçadura exercem diante da impossibilidade de coçar adequada e prazenteiramente certas partes...

Transpostas todas essas fases da exposição, preciso é abordar neste instante o aspecto econômico da coçadela ou da coçadura. Não erra quem afirma que a necessidade de coçar pode estar intrinsecamente ligada ao aspecto financeiro e, para me sustentar a assertiva, é suficiente lembrar o que se diz por aí repetida e constantemente: “coceira na palma da mão é sinal de dinheiro”.

Creio que é melhor encerrar para não ir muito longe no abesteiramento.