quinta-feira, maio 19, 2005

Gostaria de poder dizer que qualquer semelhança teria sido mera coincidência, mas não posso!

Não sei dizer se Agracobaldo chegou a ser, em algum trecho do seu existir, histriônico, híbrido ou histérico, mas foi um homem hipocondríaco, conforme certidão oficial emitida pelo órgão público que - para não lhe conceder licença remunerada para tratamento de saúde - sempre afirmou que esse era o seu problema; bem, agora fiquei em dúvida: certidão ou certificado?; não, não, não... certificado tem o meu computador, que é histriônico, híbrido e histérico, mas não é hipocondríaco porque, de fato, sofre mesmo de tudo...

Neste momento, não posso esconder que, por desencargo de consciência, acabei levando a minha dúvida terminológica ao mui ilustre e provecto professor Edelvásio, mais conhecido entre os ex-alunos lá do colégio como “Repolhão”, e o professor não tira dúvidas pelo telefone, portanto, tive de ir visitá-lo e ele, após as habituais emissões ruidosas e bodosas que lhe motivaram o apelido, e não arrefeceram com a idade, disse-me que seria melhor usar laudo ou atestado.

Mas, como esclareci minha hesitação vocabular e já posso dar-me ao luxo de soltar a respiração e de desfrutar desse ar porque retornei às nossas poluídas ruas e avenidas, vamos voltar ao Agracobaldo propriamente dito.

Vou explicar logo a origem do seu antenome: o prenome da mãe dele é Agraciana e o nome de batismo do pai dele é Aderobaldo.

Em razão da importância do tema subjacente, a combinação de nomes domésticos na hora de escolher o que será dado ao filho, não posso deixar de fazer uma pequena digressão. O resultado da mistura nem sempre traduz de modo harmônico e melodioso a amorosa intenção dos pais e, muitas vezes, por absoluta falta de sensibilidade ou de compreensão, ou pela falta de ambas, detemo-nos simplesmente nos aspectos externos e menores da questão e relegamos a plano inferior os sentimentos que nortearam a escolha.

Mas, vamos retomar o assunto principal.

A irmã do Agracobaldo se chama Celina, bonito nome, não?!

Preciso declarar, no entanto, que não é um nome muito cotado atualmente nos registros, mas, de qualquer forma, não me parece justo negar-lhe certa beleza.

Voltando ao Agracobaldo.

Agracobaldo casou com a Delesfânia e teve um filho cujo nome é João, e teve também uma filha que se chama Agracesfânia, e, se bem que seja totalmente dispensável a observação, faço absoluta questão de observar que vale em relação ao nome da Agracesfânia o que já disse sobre o do Agracobaldo, e adiante ainda falarei um pouco mais sobre a moça, mas fazendo outra observação e, neste caso, indispensável.

Agracobaldo já teve muitos empregos, mais sempre foi ajudante, e começou a carreira como ajudante de ajudante, depois, autopromoveu-se e passou a ser ajudante e, em ordem cronológica, foi: ajudante de caminhão, de pedreiro, de pintor, de ladrilheiro, de bombeiro, de encanador, de mecânico, de sapateiro, de cozinheiro, de copeiro, de confeiteiro, de doceiro, de vidraceiro; mas, após ter trabalhado como ajudante de um cabo-eleitoral de um candidato que conseguiu se eleger e de ter o cabo-eleitoral ganhado um cargo de confiança, este o empregou como seu ajudante de fé, e nunca mais o Agracobaldo ajudou alguém.

Porém, em compensação, começou a ajudar o próprio bolso e o de parentes de um modo avassaladoramente caudaloso e a família até já se mudou para uma imensa cobertura que o Agracobaldo adquiriu na Barra da Tijuca, e à vista.

Como prometi alhures, torno a falar da Agracesfânia.

A mudança de residência causou-lhe sérios problemas psíquicos e, seguindo a orientação de um afamadíssimo e caríssimo profissinal, Agracobaldo descolou uma nova certidão de nascimento pra ela que passou a se chamar Aline, o que a fez recuperar plenamente e de pronto o equilíbrio psicológico, e não há risco de a moça ter alguma recaída pois eles esqueceram totalmente todos os pobres e miseráveis vizinhos lá dos cafundós onde moravam e os parentes, como não querem perder a boquinha, não contarão nada a ninguém!

Neste ponto, sou compelido a colocar uma interrogação que me perturba o espírito: Por que, quando arranja dinheiro, a primeira providência da família que morava lá nos cafundós é ir morar na Barra da Tijuca?

Mesmo me sentindo até mais confuso e nem um pouco aliviado com a verbalização da questão que me fustigava intimamente, sou forçado, para não roubar mais o seu tempo, a tornar à vaca-fria.

Agracobaldo sempre bebeu, e muito, mas bebia cerveja barata e pinga vagabunda, agora, bebe cerveja cara e uísque de primeira; antes, tomava porre, agora, fica de pileque.

Agracobaldo fumava desbragadamente mata-ratos, atualmente, só consome charutos importados; adorava um carteado, agora, joga na bolsa; mas, continua prevaricando a dar com o pau e passou a se masturbar vendo CD de sexo explícito, o que, anteriormente, fazia sem a motivação visual proporcionada por uma tela de sessenta polegadas e sem a auditiva fornecida por centenas de watts.

Agracobaldo é adepto do assédio sexual e adora jogar pelada pelado, fazer churrasco completamente nu e cagar e andar pra quem não está presente.

Apesar de ter sido um sem-tudo e de ter desfilado com bandeira do respectivo movimento, assim que assumiu sua nova condição sócio-econômica, Agracobaldo mostrou que, além das taras, quer dizer, dos hábitos eróticos já mencionados, é tarado também por uma negociata - que o diga seu parrudo patrimônio conseguido num abrir e fechar de olhos! - e ferrenho defensor do nepotismo e de vários outros neologismos coincidentemente terminados em -ismo: partidismo ou faccismo, amiguismo, grupismo etc. etc. etc.; embora – se fosse interjeição!, retrataria o real pensar do Agracobaldo-, diante de câmeras e microfones, apóie medidas moralizadoras e capriche no politicamente correto e tanto, que após quase ter sido assaltado recentemente, e assalto evitado pelos oito guarda-costas e pelo carro blindadíssimo, mandou divulgar pelos meios de comunicação a declaração de praxe:

- A idéia de sair da nossa bela e acolhedora cidade nunca passou pela minha cabeça e nunca há de passar, pois nossa violência urbana é exatamente igual a que existe em qualquer outro grande centro urbano do mundo! e a eliminaremos por completo quando fecharmos todas as feridas provocadas pelas diferenças sócio-econômicas que maculam a nossa sociedade!

De tanto ouvir tais declarações, sinto-me, permita-me o desabafo, imensamente feliz por nunca ter tido a oportunidade de visitar um desses grandes centros e por ter uma indissimulável queda por ungüentos e emplastros!

Mas, ao Agracobaldo.

Agracobaldo foi batizado, crismado, fez a primeira comunhão e casou no religioso, mas, para fazer jus à sua nova posição social, passou a freqüentar também terreiro e centro espírita.

Aconselhado pelos novos e caros amigos, até lendo Agracobaldo anda e, para se sair melhor nessa atividade, fez um curso relâmpago e ultramoderno de alfabetização multivalente que lhe conferiu diploma universitário, credenciou-o a usar o corretor ortográfico do computador e autorizou-o a tecer públicas críticas às obras dos grandes autores nacionais e estrangeiros e a falar sobre política, sociologia, filosofia, economia, estatística, genética e futebol, não necessariamente nessa ordem.

Delesfânia, de acordo com o depoimento dos amigos mais chegados, não precisou de nova certidão porque todos a chamam de Fânia e ela, e não sei a razão, gosta muito.

Ontem, o Agracobaldo assumiu definitivamente sua nova e superior condição sócio-comportamental e seu foro incomumente privilegiado, pois, telefonou-me para reclamar de um comentário que fiz numa roda de novos amigos dele. Eu disse que o Agracobaldo era um excelente exemplo do cidadão que vai de uma classe inferior a uma superior em nossa estrutura sócio-econômica e declarei que a Aline tinha esse nome graças a uma nova certidão.

Em função do que eu disse, tratou de me informar o Agracobaldo que já contratou os melhores advogados e que vai me processar cível e penalmente até que eu reconheça que disse uma grande besteira e que foi indevida a minha declaração sobre a certidão nova da Aline!

Mas, deu-me uma honrosa e lucrativa opção.

Se eu reunir os referidos amigos e lhes disser que o Agracobaldo, desde que nasceu, é do jeito que é e jurar que a certidão da Aline é tão boa quanto a de qualquer outra pessoa idônea, nomear-me-á, na quota do político que ajudou a eleger, diretor-adjunto da Agência de Desenvolvimento de Recursos Difusos e Não Incluídos em Outras Agências de Desenvolvimento de Recursos Específicos, com vencimentos de muitos salários mínimos e pagos vinte e quatro vezes por ano, fora o décimo terceiro, e com verba de gabinete, carro zerinho e blindado e com motorista, mais uma substancial e extensa lista de auxílios na qual o único que é quase irrelevante é o auxílio-educação, pois nem aqui foi possível vencer o paradoxo nacional.

Não podia esquecer as várias viagens a Miami que Agracobaldo, Fânia, João, Aline, sogros e sogras já fizeram, e a próxima ida já está agendada, e bem demonstram o sucesso de tais viagens os muitos filmes e fotos que são mostrados em comes e bebes que em sua cobertura são promovidos exatamente para mostrá-los.

Entretanto, não posso encerrar esta resenha sem manifestar minha perplexidade em relação a um aspecto. Vimos que o Agracobaldo foi sensível e eficiente ao tratar do problema que a Agracesfânia afligiu e a Aline surgiu bela e fagueira, e sem traumas. Em tal contexto, confesso que esperava que o Agracobaldo renascesse Pedro, Cláudio ou algo assim, mas, não, permaneceu Agracobaldo, Dr. Agracobaldo, é lógico, e nem mesmo apelido admite! Curioso, não?!