sexta-feira, maio 13, 2005

Deu certo

A bonita, graciosa e simples Gildásia veio do interior pra trabalhar na casa da Hortência quando tinha dezessete anos e praticamente no mesmo dia passou a ser chamada de Gildinha.

Hortência e Sérgio, seu marido, gostaram logo da Gildinha e ela deles.

Gildinha não terminara nem o primeiro grau, mas era esperta, viva, até mesmo desenvolta pra uma mocinha vinda do interior, e sabia cozinhar, o chamado trivial simples, é claro, mas sabia, e era muito asseada, prendada e cuidadosa.

Sérgio, marido de Hortência, pouco tempo depois, ficou desempregado e passou a trabalhar em casa, valendo-se do computador e da Internet. O que ganhava com o novo trabalho não daria de maneira nenhuma pra sustentar a casa, mas, felizmente, Hortência era funcionária concursada e graduada do Legislativo estadual e ganhava muito bem.

A relação do casal com Gildinha foi se estreitando dia após dia, mais estima, mais consideração, mais afeto, mais intimidade.

Hortência passava o dia todo fora de casa, trabalhando, e a gerência doméstica ficou nas mãos do Sérgio.

O casal tentou convencer Gildinha a retomar os estudos, mas, com muito medo da cidade grande, e por ser muito caseira também, Gildinha não quis enfrentar nenhum curso noturno, nem mesmo diurno. Entretanto, tinha muito apreço pela leitura e Sérgio, paciência e boa vontade. Com esses ingredientes, Gildinha se desenvolvia bem mais do que conseguiria em qualquer escola, mesmo porque conhecemos bem a triste situação do nosso ensino público, quiçá da maioria do privado.

As tarefas domésticas da Gildinha eram até bem suaves porque Hortência não abrira mão da passadeira e da faxineira, assim sendo, tempo para progredir tinha de sobra e mais, Sérgio tinha certas habilidades culinárias e virava e mexia dava uma ajuda à Gildinha.

O progresso social e cultural da Gildinha foi simplesmente fabuloso, e incluiu informática e Internet, e carteira de motorista.

Passados dois ou três anos, já era a grande amiga que Hortência nunca tivera e a grande companhia pra todos aqueles programas que deixavam o Sérgio aborrecido: compras, cinema, lanchinho...

Nas noites de sexta ou de sábado, quando o casal saía, não deixava mais de levar a Gildinha, sempre alegre, ativa.

Não era mais possível, embora recebesse salário e tivesse a carteira devidamente assinada, dizer que Gildinha era uma empregada... nem no quarto de empregada dormia, pois lhe dera o casal o terceiro quarto do apartamento que estava vazio porque, apesar de todo o esforço e de todos os tratamentos, Hortência não conseguia engravidar.

Por fim, mais um grande especialista por Hortência foi procurado e foi taxativo ao afirmar que Hortência não engravidaria.

Depois de mais de dez anos de tentativas fracassadas, o impacto que essa derradeira opinião em Hortência teve, podemos dizer, foi pequeno, não passou daquela derradeira gota que a fez convencer-se de que realmente não engravidaria.

A adoção, que já passara várias vezes pela cabeça do casal, voltou à cena, mas não se sentia o casal ainda suficientemente confiante pra realizá-la. Por outro lado, ela já estava com 34 anos e ele com 36, assim, se deixassem o tempo passar mais, acabariam adotando uma neta e não uma filha, pois uma menina queriam...

Numa daquelas deliciosas noitadas de sábado, surgiu, por causa de uma novela, o assunto: fertilização in vitro, inseminação artificial, barriga de aluguel; e as opiniões fluíam, quando, em certo momento, os três fizeram o mesmo silêncio e trocaram o mesmo olhar. Nada mais foi dito naquela noite.

Hortência não dormiu, nem Sérgio e quando, no domingo, e muito cedo, foram à cozinha pra tomar café, Gildinha já estava lá. O silêncio e o olhar eram os mesmos.

Em dado instante, Hortência murmurou:
- Gildinha...

E ela, respondeu:
- Sim!

Seria feita a inseminação artificial com o esperma do Sérgio e os vinte saudabilíssimos anos da Gildinha cuidariam da gravidez.

E todas as providências foram tomadas e rapidamente. Mas não foi bem sucedida a primeira tentativa, nem a segunda, nem a terceira...

Parecia que a natureza se insurgia contra a artificialidade e, numa tarde de um dia de semana, Sérgio e Gildinha fizeram amor, doce, suave e afetivamente..., e a doçura, a suavidade e o afeto tornaram-se presentes e constantes na vida deles...

Embora temporariamente, tinham os três desistido da inseminação artificial, e a última tentavia acontecera há mais de dez meses, mas, durante o jantar, naquela noite, Gildinha disse à Hortência e ao Sérgio que achava que estava grávida...

Aquele silêncio e aquele olhar ressurgiram, mas, dessa vez, não duraram. Hortência levantou-se e abraçou Gildinha demorada e amorosamente, e os três choraram de felicidade.

Petrina nasceu oito meses depois, linda e saudável, e muito amada pelo papai Sérgio, pela mamãe Hortência e pela mãezoquinha Gildinha, que não tardou a virar Zoquinha...

Mês passado, foi a formatura da Petrina, já é economista, e foi a primeira colocada e oradora da turma, e na foto estão os quatro, como, aliás, aconteceu em todas as fotos dela.

Pouco tempo depois, aposentou-se a Hortência, mas não se acostumaria a ficar, de segunda a sexta, o dia inteiro dentro de casa, e foi fazer um cursinho preparatório para o vestibular de Pscicologia, que sempre foi o seu sonho.