As premonições do Dadá
Se quiséssemos um retrato que a nossa turma sintetizasse, podíamos tirar uma foto do Dadá.
Alfabetização, digamos, sofrível e praticamente nenhum apreço pelo estudo nem pela leitura, e, nas contas, saía-se bem nas duas operações mais simples e claudicava nas outras duas, mormente na divisão. Conclusão: primeiro, segundo e terceiro graus feitos nas coxas...
Tinha jogo de cintura, era razoavelmente articulado, tendo em conta a formação que tivera, e opinava categoricamente sobre todo e qualquer tema, e, na esmagadora maioria das vezes, nenhum conhecimento tinha. Se fosse a discussão sobre política então!, era bem mais veemente, bem mais enfático, ou seja, a mensagem dele era muito clara: “se estamos nessa difícil situação... vocês são os culpados”.
Também colocava boas pitadas de malícia em tudo que via e ouvia, até mesmo na intenção da babá quando trocava a fralda do neném com um pouco mais de atenção e cuidado! Se visse, então, alguma criança sentada no colo de algum moço ou senhor, falava logo em tara!, em pedofilia!
Era bebedor de cerveja, de cerveja estupidamente gelada.
Vinha pulando do emprego pro desemprego e vice-versa com alguma freqüência nos últimos anos...
No campo religioso, era fã incondicional (esta expressão, melhor que qualquer outra, traduz as convicções espirituais do Dadá!) do sincretismo!
Pra completar, vangloriava-se com freqüência das namoradas que conquistava e traçava e se gabava da fidelidade extrema de sua esposa!
Moral da história, o Dadá nada tinha de excepcional... como não teria qualquer foto de qualquer outro da turma...
Quer dizer, o Dadá nada tinha de excepcional até que as premonições começaram!
Um dia, apareceu com um semblante diferente, não deu nenhuma opinião sobre o que estávamos discutindo quando ele chegou e o olhar olhava não sei nem pra onde...
No primeiro intervalo, afirmou:
- O Jairo vai ser corneado e abandonado pela Sandra...
O espanto foi geral e inarrável.
Jairo e Sandra tinham alguns anos de casados e, se contássemos o tempo do namoro, pois começaram a namorar quando ainda eram adolescentes, podíamos falar em cerca de vinte anos de romance! E a Sandra, uma morena, com o devido respeito, fantástica, esplêndida, maravilhosa, gostosíssima... era apaixonada, muito apaixonada, apaixonadíssima pelo Jairo.
Passado o espanto, geral e inarrável foi a gargalhada. Se fosse outro casal qualquer, a turma até consideraria as palavras do Dadá, mas Jairo e Sandra... impossível. E todo mundo começou a sacanear o Dadá.
Curiosamente, ele não se abalou. Bebeu sua cerveja, pagou e foi embora.
O assunto foi o tema daquela noite, principalmente o nível de babaquice a que chegara o Dadá...
Será que, além da cerveja, algo mais pesado começara a consumir, puro eufemismo, pois os fofoqueiros pensaram mesmo em cheirar ou coisa parecida?!, algo que os neurônios destruísse mais impiedosa e rapidamente?!
Mas, no dia seguinte, tirando alguma opinião de algum retardatário, outro eufemismo!, o assunto Jairo e Sandra já havia sido esquecido..., e a premonição do Dadá, bem como, seus novos e possíveis hábitos de consumo...
Poucas semanas depois, entretanto, o Dinho chegou muito nervoso e nos contou a terrível novidade!
O Jairo estava internado num hospital e seu estado era muito grave. Tentara se suicidar ingerindo grande quantidade de alguma coisa fortíssima..., e a causa da tentativa foi a Sandra. Ele descobriu que ela o estava corneando e, quando ele descobriu, ela simplesmente o abandonou e se mandou com o amante...
O mais equilibrado de nós todos estava atônito, abalado com a notícia...
- Mas como?! como?!, era a pergunta que todos fazíamos...
No meio da balbúrdia, alguém mumurou:
- Dadá...
E o silêncio foi pavaroso. Naquele dia, ninguém mais falou e todos foram embora mais cedo...
Durante toda a semana, o assunto foi a premonição do Dadá que abafou por completo a triste situação do Jairo. Ninguém se lembrava do Jairo, só dava a premonição do Dadá, era premonição do Dadá pra cá, premonição do Dadá pra lá... e mais premonição do Dadá...
Na semana seguinte, o assunto foi o mesmo...
Resumindo, durante bem mais de um mês só deu a premonição do Dadá... E ninguém se preocupou com o pobre Jairo e, nunca mais, ouvimos falar dele...
Mas, encarregou-se o tempo de trazer outros assuntos à baila e a terrível premonição do Dadá foi esquecida...
Meses depois, o Dadá, que também andava sumido, reapareceu, parecia melhor de vida, mas vinha com aquele semblante e com aquele olhar...
Dessa vez, a turma calou logo a boca, sobretudo porque ficamos todos encagaçados... e estava estampada em todas as caras a mesma pergunta: “Qual será a premonição?!”
O desconforto e o nervosismo eram evidentes, e o Dadá não falava...
De repente, ficou de pé e disse:
- O Pereira via ficar duro, durinho da Silva!
- Que Pereira?! perguntou alguém...
- O da Loteria! respondeu um outro...
Um terceiro ponderou sarcasticasmente:
- Porra! que premonição de merda! o Pereira é empregado da Loteria e não tem merda nenhuma!
O silêncio pairou no ar por alguns segundos, até que uma mistura de raiva, ira e vontade de ir à forra começou a surgir... e logo pensamos em linchamento... seria do cacete!... afinal, o cara só tivera uma premonição e fodera a vida do Jairo...
Mas, alguém perguntou ao Dadá:
- Que Pereira?!
E ele, impassivelmente, respondeu:
- Mário de Almeida Guilhermino Pereira Filho.
Esse Pereira era um miliardário que nós conhecêramos quando ele ainda não era miliardário e que sumira dali logo que começou a ganhar dinheiro...
Nós sabíamos do Pereira pelas notícias das colunas sociais e dos cadernos financeiros dos grandes jornais, e pela televisão, e víamos e ouvíamos que os muitos negócios dele iam de vento em popa. O Pereira ficava ainda mais miliardário a cada nova notícia!
Aí, todo mundo riu, aliás, a turma caiu na gargalhada, e a gargalhada foi daquelas que só acontecem em ambientes em que é absolutamente proibido sorrir, quanto mais gargalhar...
o Dadá tinha ficado maluco...
O Pereira tinha tanta grana... tanta grana... tanta grana... que ela não acabaria mesmo que ele ficasse o resto da vida só gastando... ou seja, era financeira, monetária, economicamente impossível o Pereira ficar duro!
A zorra foi tão grande, que só reparamos que o Dadá tinha ido embora quase uma hora depois, e ele nem pagara a cerveja que bebera, o que levou alguém a comentar:
- Tá ficando maluco... mas deve estar ganhando dinheiro!
Uns seis meses depois, o papo e a cerveja corriam soltos quando um mendigo se aproximou.
Com aquela costumeira consideração pelo ser humano, ninguém o notou, e o mendigo ficou por ali, praticamente ignorado.
Mas, o Zé Marcos, com os olhos arregalados, exclamou:
- É o Pereira!
O Pereira da Loteria tinha sido mandado embora e desparecera.
Olhamos em volta e não vimos nenhum daqueles típicos carrões que o Pereira miliardário certamente estaria usando e achamos que o Zé estava surtando...
Aí, o Zé apontou para o mendigo...
E antes que alguém morresse de susto, o mendigo, aliás, o Mário de Almeida Guilhermino Pereira Filho falou, sem nenhuma emoção:
- Meu sócio me deu um golpe, ficou com tudo, me deixou só com a roupa do corpo...
E, é bom que se diga, a roupa do corpo já estava num estado lastimável...
O Pereira perguntou se alguém podia lhe dar um trocado pra beber uma pinga... e, por misericórdia, pagamos logo umas duas ou três, e ele as botou pra dentro sem respirar...
Deu-nos as costas e se foi...
O trauma foi indiscritível, mas não durou muito, o medo o superou, medo... não, o pânico!
Quando o Dadá apareceria novamente? Qual seria a próxima premonição? Quem seria o “felizardo”?
Daí pra frente, o Dadá passou a ser um grande problema e ninguém mais queria conversa com ele.
Bastava alguém dizer que o Dadá ia aparecer por ali que todo mundo se mandava.
Se alguém dizia que o Dadá havia dito algo, ninguém ficava perto pra escutar.
Ficou tão complicada a situação que alguns passaram a ter crises de histeria só de ouvir o nome do Dadá, outros se mudaram e nunca mais apareceram, e teve até um grupo que chegou a pensar em dar um toque no “gerente do movimento da área”, toda área tem um!, pro cara mandar alguém dar cabo do Dadá e, é claro, das premonições!
Bom, eu fiquei no segundo grupo e me mudei pra bem longe dali, e não dei meu novo endereço a ninguém, nem o telefone, e ainda troquei o número do celular. Foi um alívio...
Mas, ontem, quando eu andava tranqüilamente pelo calçadão, aquela buzina começou a tocar bem perto de mim, e tocou a primeira, a segunda e, no terceiro toque, eu olhei. Entretanto, como era um caríssimo e moderníssimo carrão, quer dizer, um carrão que só um verdadeiro miliardário pode ter, eu achei que não era comigo, pois o único miliardário que eu conhecera tinha ficado durinho da Silva.
Todavia, a buzina voltou a tocar e eu olhei de novo, e quase fiquei em estado de choque!, o vidro de uma das janelas do carrão estava aberto e o Dadá, com a cabeça e os braços pra fora, fazia sinais pra mim e gritava o meu nome!
Eu quis correr, mas as pernas não me obedeceram...
A essa altura, o carrão já estava quase parado do meu lado e eu nem tinha mais coragem de olhar, mas o Dadá continuava me chamando, e eu me perguntava nervosamente:
- Por que o patrão não dá logo um esporro nele e o manda sair logo com o carrão daqui? Será que o patrão dele não está no carrão?!
A essa altura, o carrão já estava parado e o Dadá descera do carrão...
Eu senti calafrios, comecei a tremer, tive náuseas... o quadro foi tão impressionante que o Dadá me abraçou fortemente e quase chorando me disse:
- Porra!!! Nunca pensei que você fosse se emocionar tanto ao meu ver...
Meu desespero era tão grande, mas tão grande...que eu estava completamente à mercê do Dadá e ele, gentilmente, foi me levando em direção à porta do carrão que estava aberta...
Não sei nem dizer o que passava pela minha cabeça, aliás, não passava porra nenhuma pela minha cabeça... o vazio e o pânico eram absolutos...
Só fui perceber que a porta do carrão que eu vira aberta e pela qual eu entrara não era uma das da frente e que eu estava sentado no luxuoso banco traseiro do carrão uns quinze minutos depois e, assim mesmo, após ter bebido, e de um gole só, duas ou três generosas doses do excelente scotch que o Dadá havia me dado... e precisei de pelo menos mais duas iguais pra parar de tremer e perceber que o chofer, devidamente uniformizado, estava lá no banco do motorista, e chamava o Dadá de doutor!
Mais uma dose e consegui notar que uma morena, com o devido respeito, fantástica, esplêndida, maravilhosa, gostosíssima... estava com ele...
Mas eu conhecia aquela morena!!!...
E o Dadá percebeu que eu a reconhecera e se adiantou:
Alfabetização, digamos, sofrível e praticamente nenhum apreço pelo estudo nem pela leitura, e, nas contas, saía-se bem nas duas operações mais simples e claudicava nas outras duas, mormente na divisão. Conclusão: primeiro, segundo e terceiro graus feitos nas coxas...
Tinha jogo de cintura, era razoavelmente articulado, tendo em conta a formação que tivera, e opinava categoricamente sobre todo e qualquer tema, e, na esmagadora maioria das vezes, nenhum conhecimento tinha. Se fosse a discussão sobre política então!, era bem mais veemente, bem mais enfático, ou seja, a mensagem dele era muito clara: “se estamos nessa difícil situação... vocês são os culpados”.
Também colocava boas pitadas de malícia em tudo que via e ouvia, até mesmo na intenção da babá quando trocava a fralda do neném com um pouco mais de atenção e cuidado! Se visse, então, alguma criança sentada no colo de algum moço ou senhor, falava logo em tara!, em pedofilia!
Era bebedor de cerveja, de cerveja estupidamente gelada.
Vinha pulando do emprego pro desemprego e vice-versa com alguma freqüência nos últimos anos...
No campo religioso, era fã incondicional (esta expressão, melhor que qualquer outra, traduz as convicções espirituais do Dadá!) do sincretismo!
Pra completar, vangloriava-se com freqüência das namoradas que conquistava e traçava e se gabava da fidelidade extrema de sua esposa!
Moral da história, o Dadá nada tinha de excepcional... como não teria qualquer foto de qualquer outro da turma...
Quer dizer, o Dadá nada tinha de excepcional até que as premonições começaram!
Um dia, apareceu com um semblante diferente, não deu nenhuma opinião sobre o que estávamos discutindo quando ele chegou e o olhar olhava não sei nem pra onde...
No primeiro intervalo, afirmou:
- O Jairo vai ser corneado e abandonado pela Sandra...
O espanto foi geral e inarrável.
Jairo e Sandra tinham alguns anos de casados e, se contássemos o tempo do namoro, pois começaram a namorar quando ainda eram adolescentes, podíamos falar em cerca de vinte anos de romance! E a Sandra, uma morena, com o devido respeito, fantástica, esplêndida, maravilhosa, gostosíssima... era apaixonada, muito apaixonada, apaixonadíssima pelo Jairo.
Passado o espanto, geral e inarrável foi a gargalhada. Se fosse outro casal qualquer, a turma até consideraria as palavras do Dadá, mas Jairo e Sandra... impossível. E todo mundo começou a sacanear o Dadá.
Curiosamente, ele não se abalou. Bebeu sua cerveja, pagou e foi embora.
O assunto foi o tema daquela noite, principalmente o nível de babaquice a que chegara o Dadá...
Será que, além da cerveja, algo mais pesado começara a consumir, puro eufemismo, pois os fofoqueiros pensaram mesmo em cheirar ou coisa parecida?!, algo que os neurônios destruísse mais impiedosa e rapidamente?!
Mas, no dia seguinte, tirando alguma opinião de algum retardatário, outro eufemismo!, o assunto Jairo e Sandra já havia sido esquecido..., e a premonição do Dadá, bem como, seus novos e possíveis hábitos de consumo...
Poucas semanas depois, entretanto, o Dinho chegou muito nervoso e nos contou a terrível novidade!
O Jairo estava internado num hospital e seu estado era muito grave. Tentara se suicidar ingerindo grande quantidade de alguma coisa fortíssima..., e a causa da tentativa foi a Sandra. Ele descobriu que ela o estava corneando e, quando ele descobriu, ela simplesmente o abandonou e se mandou com o amante...
O mais equilibrado de nós todos estava atônito, abalado com a notícia...
- Mas como?! como?!, era a pergunta que todos fazíamos...
No meio da balbúrdia, alguém mumurou:
- Dadá...
E o silêncio foi pavaroso. Naquele dia, ninguém mais falou e todos foram embora mais cedo...
Durante toda a semana, o assunto foi a premonição do Dadá que abafou por completo a triste situação do Jairo. Ninguém se lembrava do Jairo, só dava a premonição do Dadá, era premonição do Dadá pra cá, premonição do Dadá pra lá... e mais premonição do Dadá...
Na semana seguinte, o assunto foi o mesmo...
Resumindo, durante bem mais de um mês só deu a premonição do Dadá... E ninguém se preocupou com o pobre Jairo e, nunca mais, ouvimos falar dele...
Mas, encarregou-se o tempo de trazer outros assuntos à baila e a terrível premonição do Dadá foi esquecida...
Meses depois, o Dadá, que também andava sumido, reapareceu, parecia melhor de vida, mas vinha com aquele semblante e com aquele olhar...
Dessa vez, a turma calou logo a boca, sobretudo porque ficamos todos encagaçados... e estava estampada em todas as caras a mesma pergunta: “Qual será a premonição?!”
O desconforto e o nervosismo eram evidentes, e o Dadá não falava...
De repente, ficou de pé e disse:
- O Pereira via ficar duro, durinho da Silva!
- Que Pereira?! perguntou alguém...
- O da Loteria! respondeu um outro...
Um terceiro ponderou sarcasticasmente:
- Porra! que premonição de merda! o Pereira é empregado da Loteria e não tem merda nenhuma!
O silêncio pairou no ar por alguns segundos, até que uma mistura de raiva, ira e vontade de ir à forra começou a surgir... e logo pensamos em linchamento... seria do cacete!... afinal, o cara só tivera uma premonição e fodera a vida do Jairo...
Mas, alguém perguntou ao Dadá:
- Que Pereira?!
E ele, impassivelmente, respondeu:
- Mário de Almeida Guilhermino Pereira Filho.
Esse Pereira era um miliardário que nós conhecêramos quando ele ainda não era miliardário e que sumira dali logo que começou a ganhar dinheiro...
Nós sabíamos do Pereira pelas notícias das colunas sociais e dos cadernos financeiros dos grandes jornais, e pela televisão, e víamos e ouvíamos que os muitos negócios dele iam de vento em popa. O Pereira ficava ainda mais miliardário a cada nova notícia!
Aí, todo mundo riu, aliás, a turma caiu na gargalhada, e a gargalhada foi daquelas que só acontecem em ambientes em que é absolutamente proibido sorrir, quanto mais gargalhar...
o Dadá tinha ficado maluco...
O Pereira tinha tanta grana... tanta grana... tanta grana... que ela não acabaria mesmo que ele ficasse o resto da vida só gastando... ou seja, era financeira, monetária, economicamente impossível o Pereira ficar duro!
A zorra foi tão grande, que só reparamos que o Dadá tinha ido embora quase uma hora depois, e ele nem pagara a cerveja que bebera, o que levou alguém a comentar:
- Tá ficando maluco... mas deve estar ganhando dinheiro!
Uns seis meses depois, o papo e a cerveja corriam soltos quando um mendigo se aproximou.
Com aquela costumeira consideração pelo ser humano, ninguém o notou, e o mendigo ficou por ali, praticamente ignorado.
Mas, o Zé Marcos, com os olhos arregalados, exclamou:
- É o Pereira!
O Pereira da Loteria tinha sido mandado embora e desparecera.
Olhamos em volta e não vimos nenhum daqueles típicos carrões que o Pereira miliardário certamente estaria usando e achamos que o Zé estava surtando...
Aí, o Zé apontou para o mendigo...
E antes que alguém morresse de susto, o mendigo, aliás, o Mário de Almeida Guilhermino Pereira Filho falou, sem nenhuma emoção:
- Meu sócio me deu um golpe, ficou com tudo, me deixou só com a roupa do corpo...
E, é bom que se diga, a roupa do corpo já estava num estado lastimável...
O Pereira perguntou se alguém podia lhe dar um trocado pra beber uma pinga... e, por misericórdia, pagamos logo umas duas ou três, e ele as botou pra dentro sem respirar...
Deu-nos as costas e se foi...
O trauma foi indiscritível, mas não durou muito, o medo o superou, medo... não, o pânico!
Quando o Dadá apareceria novamente? Qual seria a próxima premonição? Quem seria o “felizardo”?
Daí pra frente, o Dadá passou a ser um grande problema e ninguém mais queria conversa com ele.
Bastava alguém dizer que o Dadá ia aparecer por ali que todo mundo se mandava.
Se alguém dizia que o Dadá havia dito algo, ninguém ficava perto pra escutar.
Ficou tão complicada a situação que alguns passaram a ter crises de histeria só de ouvir o nome do Dadá, outros se mudaram e nunca mais apareceram, e teve até um grupo que chegou a pensar em dar um toque no “gerente do movimento da área”, toda área tem um!, pro cara mandar alguém dar cabo do Dadá e, é claro, das premonições!
Bom, eu fiquei no segundo grupo e me mudei pra bem longe dali, e não dei meu novo endereço a ninguém, nem o telefone, e ainda troquei o número do celular. Foi um alívio...
Mas, ontem, quando eu andava tranqüilamente pelo calçadão, aquela buzina começou a tocar bem perto de mim, e tocou a primeira, a segunda e, no terceiro toque, eu olhei. Entretanto, como era um caríssimo e moderníssimo carrão, quer dizer, um carrão que só um verdadeiro miliardário pode ter, eu achei que não era comigo, pois o único miliardário que eu conhecera tinha ficado durinho da Silva.
Todavia, a buzina voltou a tocar e eu olhei de novo, e quase fiquei em estado de choque!, o vidro de uma das janelas do carrão estava aberto e o Dadá, com a cabeça e os braços pra fora, fazia sinais pra mim e gritava o meu nome!
Eu quis correr, mas as pernas não me obedeceram...
A essa altura, o carrão já estava quase parado do meu lado e eu nem tinha mais coragem de olhar, mas o Dadá continuava me chamando, e eu me perguntava nervosamente:
- Por que o patrão não dá logo um esporro nele e o manda sair logo com o carrão daqui? Será que o patrão dele não está no carrão?!
A essa altura, o carrão já estava parado e o Dadá descera do carrão...
Eu senti calafrios, comecei a tremer, tive náuseas... o quadro foi tão impressionante que o Dadá me abraçou fortemente e quase chorando me disse:
- Porra!!! Nunca pensei que você fosse se emocionar tanto ao meu ver...
Meu desespero era tão grande, mas tão grande...que eu estava completamente à mercê do Dadá e ele, gentilmente, foi me levando em direção à porta do carrão que estava aberta...
Não sei nem dizer o que passava pela minha cabeça, aliás, não passava porra nenhuma pela minha cabeça... o vazio e o pânico eram absolutos...
Só fui perceber que a porta do carrão que eu vira aberta e pela qual eu entrara não era uma das da frente e que eu estava sentado no luxuoso banco traseiro do carrão uns quinze minutos depois e, assim mesmo, após ter bebido, e de um gole só, duas ou três generosas doses do excelente scotch que o Dadá havia me dado... e precisei de pelo menos mais duas iguais pra parar de tremer e perceber que o chofer, devidamente uniformizado, estava lá no banco do motorista, e chamava o Dadá de doutor!
Mais uma dose e consegui notar que uma morena, com o devido respeito, fantástica, esplêndida, maravilhosa, gostosíssima... estava com ele...
Mas eu conhecia aquela morena!!!...
E o Dadá percebeu que eu a reconhecera e se adiantou:
- Lembra da Sandra?!
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