sábado, maio 14, 2005

Daquele dia em diante

Fosse eu cismado, desconfiado, escabreado, quer dizer, um pouco mais, estaria em situação delicada, afinal, aquela mulher me abordou sem mais nem menos no meio da rua, e me segurou firmemente o braço, e não me deu a menor chance de escapar, e não disse nada.

Foram segundos, talvez minutos, de estupefação, perplexidade e indecisão, e ela só me fitava, ou melhor, me esquandrinhava por inteiro sem mover os olhos, ou seja, mantendo os dela fixamente dentro dos meus. Como é que pode? Não sei, mas tenho certeza que me estava esquadrinhando completamente.

O lugar era muito movimentado, mas ninguém nos deu especial atenção, portanto, não devia ser uma cena de todo incomum e minha cara não devia estar mostrando a interrogação que fazia da minha alma uma grande pergunta.

Após aqueles segundos, quiçá minutos, esqueceram-se estupefação, perplexidade e indecisão, e ela me fez começar a andar, acompanhando-a, e eu fui...

Nada tinha sido dito e ela já não me olhava com aquele olhar que enxergava minhas entranhas.

Os trajes dela não eram sofisticados nem vulgares, eram trajes adequados e que nela ficavam perfeitamente bem, e esta é a melhor definição que consigo.

A idade? Tinha a mesma idade que eu, exatamente a mesma. Você, provavelmente, perguntará como é possível alguém ter tanta certeza em relação à idade de uma mulher?! Mas, não é necessário responder.

A caminhada não era apressada e meu espanto inicial, curiosamente, não se transformou em nervosismo, mesmo com a mão dela ainda segurando o meu braço. E não posso deixar de dizer que, embora o segurasse com indiscutível firmeza, não me machucava nem mesmo causava algum desconforto.

Como eu disse, o espanto já se fora fazia algum tempo e, em seu lugar, uma inusitada calma permitia que eu observasse o caminho... Cores. Sons. Aromas. Impressões. Sensações. Rostos. Andares. Alegrias. Tristezas...

Quando saí de casa, pela manhã, não podia sequer imaginar que, no meio do dia, e um dia repleto de afazeres, compromissos, obrigações, estaria caminhando e observando daquela maneira...

Uma tranqüilidade intensa, de algum jeito, foi me embriagando, mas não era uma emgriaguez trôpega, desequilibrada, mas suave, terna, mansa...

E nem sei se a caminhada durou alguns minutos ou muitas horas, mas percebi o crepúsculo surgindo em ritmo outonal e vi com nitidez a diferença entre ele e os do verão recém-findo.

Voltei pra casa praticamente na hora de sempre, mas, não me atrevi a contar essa história a minha esposa... ela não acreditaria, não acreditaria de maneira nenhuma que aquela mulher segurara o meu braço subitamente e que o soltara sem que eu sequer percebesse, e que só caminháramos e observáramos juntos e por algum tempo, e em absoluto silêncio.

Pensei até em lhe referir a diferença que eu descobrira que havia entre os crespúsculos, no entanto, o bom senso advertiu-me do toque romântico de tal revelação e sobre a possível pulga que atrás da orelha dela colocaria...

- O nome dela?

Como já disse, ela não disse nada, nem precisava... mas, daquele dia em diante, passei a perceber cores, sons, aromas, impressões, sensações, rostos, andares, alegrias, tristezas... ao andar pelos lugares.