quarta-feira, maio 11, 2005

O ladrão

A iluminação das vias públicas não é, digamos assim, uniforme em nossa encantadora cidade. Em poucos lugares, é possível jogar uma partida de futebol sem nenhum problema, e a qualquer hora da noite; em muitos, anoiteceu, não dá pra ver o que está a um palmo de distância do nariz.

José de tal vinha do trabalho e ia pra casa, e já anoitecera, e ele mora num daqueles muitos lugares.

Como sempre, vinha andando guiado por aquele pânico quase administrado.

Olhava pra todos os lados, trezentos e sessenta graus, e pra cima, porque há bala perdida etc. etc. etc., e pra baixo, porque há buraco, depressão, ondulação, merda de cachorro etc. etc. etc.

Em determindado instante, notou que um outro homem, um pouco atrás dele e do outro lado da rua, quer dizer, do arremedo de rua, também caminhava e na mesma direção.

O pânico quase administrado subiu vários pontos na escala apropriada, mas José de tal continuou a caminhada, ou seja, a quase corrida.

Neste momento, o outro homem atravessou o arremedo de rua e veio para o arremedo de calçada onde José de tal quase corria.

José de tal teve certeza, pela octogésima terceira vez seria assaltado.

Se aproximava da esquina e, quando chegou, dobrou-a instintivamente.

E aí... aconteceu...

Sem saber a razão, José de tal parou e se encostou no muro, puxou a camisa pra fora das calças, botou uma das mãos sob a camisa, com indicador esticado e apontando pra frente, e, tão logo o sujeito apareceu na esquina, voou em cima dele berrando alucinadamente:
- Perdeu! Perdeu! É um assalto! É um assalto! Passa tudo, passa tudo, senão vai morrer! vai morrer! vai morrer!

Depois de ter sido vítima de oitenta e dois assaltados, qualquer um sabe o que faz qualquer ladrão em qualquer assalto, e José de tal sabia!

O sujeito colocou tudo na outra mão do José de tal, e o José de tal gritou:
- Corre, corre, e não olhe pra trás!, se olhar, vai morrer! vai morrer!

Em fração de segundo, o sujeito havia desaparecido.

E José de tal desapareceu também e só apareceu dentro de casa, grudado na porta, sem respiração, com trezentos e quarenta e dois batimentos cardíacos por minuto e quinze graus de temperatura corporal.

Não sabe quanto tempo levou pra voltar ao normal, talvez nunca mais voltasse, mas acabou chegando perto.

Então, acendeu a luz e abriu a mão na qual retinha o butim, e o observou: uma Carteira de Trabalho e Previdência Social surradíssima e em nome de João de tal, uma nota de um real e uma moeda de vinte centavos e uma aliança descascada.